Migrantes venezuelanos ficam sem banheiros e até água potável após Trump cortar verba de fundo: ‘Única coisa que tínhamos’

por Redação

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender o repasse de fundos destinados à ajuda humanitária em outros países impactou a rotina de migrantes venezuelanos que vivem em Roraima. Três instalações sanitárias que ofereciam serviços gratuitos no estado foram fechadas por tempo indeterminado. Com isso, várias pessoas em situação de vulnerabilidade não tem como tomar banho, usar o banheiro, escovar os dentes e até beber água potável.

As instalações fechadas eram administradas pela Cáritas Brasileira e financiadas pelo governo americano, por meio do Escritório de População, Refugiados e Migração do Departamento de Estado dos Estados Unidos (PRM). Os serviços nos espaços foram suspensos por tempo indeterminado à pedido do financiador, informou a Cáritas.

O PRM também era um dos financiadores da Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU que também paralisou atividades em razão da medida do governo americano.

🔎 Entenda: Migrantes e refugiados venezuelanos que entram no Brasil por Roraima são atendidos pela Operação Acolhida, força-tarefa criada em 2018 pelo governo federal. A Acolhida atende pedidos de refúgio, regulariza documentação, administra abrigos e fornece alimentação.

O trabalho é comandado, majoritariamente, pelo Exército. Mas para realizá-lo, a força-tarefa tem apoio de mais de 100 instituições, entre organizações nacionais e internacionais, como as da Organização das Nações Unidas (ONU), e entidades civis. O orçamento anual do governo brasileiro para a operação é de R$ 300 milhões.

Localizadas em Boa Vista e em Pacaraima, na fronteira, as instalações sanitárias ofertavam serviços gratuitos de higiene pessoal, como uso de banheiro, duchas, fraldários e lavanderia. Os trabalhos integravam o projeto “Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras”. Só em 2024, mais de 50 mil migrantes foram atendidos pelo projeto nas duas cidades roraimenses.

Em Boa Vista, onde o projeto tinha dois espaços, migrantes que dependiam dos serviços foram surpreendidos com a suspensão das atividades nessa segunda. Os locais funcionavam de segunda à sexta, das 8h às 17h, mas agora o que restou foi um placa informado o fechamento.

Mesmo sabendo que estava fechado, a migrante Lucimar Hernandez foi até uma das instalações nesta terça-feira (28) na esperança de encontrar o local aberto e dar banho no filho, de 2 anos, como fazia todos os dias. No entanto, ela se deparou com os portões trancados. “Tenho fé que voltarão a abrir aqui”, disse, sem saber para onde ir.

O custo anual para manter o projeto nas duas cidades foi de R$ 4 milhões em 2024, segundo Cáritas. Para este ano, o orçamento previsto era o mesmo. A organização não atuava com fundos próprios e para manter as instalações dependia 100% do dinheiro americano.

O Brasil é o terceiro país da América Latina que mais recebeu refugiados e migrantes venezuelanos, ficando atrás da Colômbia e do Peru, de acordo com dados da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial R4V. Roraima é a principal porta de entrada para venezuelanos que buscam melhores condições de vida no país.

Migrantes lamentam suspensão dos serviços
Natural do estado de Miranda, a venezuelana Yohanna está no Brasil há cerca de dois meses: um vivido em Pacaraima, cidade roraimense na fronteira com o país vizinho, e outro em Boa Vista, onde busca melhores condições de vida.

Com o marido, um sobrinho, um genro e dois filhos menores de idade, ela buscava atendimento diariamente nas instalações sanitárias da Cáritas. Agora, a família de seis pessoas já não sabe onde vai ter acesso à higiene.

“Lá [no PRA] tem muita gente, tem uma fila grande. Aqui nos tomávamos banhos, fazíamos as necessidades, tomávamos água”, afirmou Yohana.

Segundo a Cáritas, as três instalações receberam 365 mil acessos em todo ano passado – isso porque uma pessoa podia usar os serviços por mais de uma vez ao dia. A estimativa é da organização é que mais de mil pessoas ficarão sem acesso aos serviços da rede por dia.

“Estamos conversando principalmente com o governo brasileiro para tentar mitigar essa situação. Entendemos que as pessoas mais afetadas por isso, especialmente aquelas em situação de rua, em grande parte migrantes, precisam desse auxílio. Elas necessitam utilizar o banheiro, lavar suas roupas. Muitas dessas pessoas estão em trânsito pelo Brasil, mas precisam dessa ajuda enquanto estão aqui”, explicou ao g1 o assessor nacional da Caritas brasileira, Wellton Leal.

A família de Yohanna passa as noites no Posto de Recepção e Apoio (PRA) da Operação Acolhida, localizado ao lado da instalação sanitária no bairro Treze de Setembro, na zona Sul da cidade. No PRA, segundo os migrantes, os horários para banho são limitados a uma vez ao dia, a partir das 19h e até às 22h.

Além disso, nem todos conseguem tomar banho no PRA porque há muitas pessoas em busca do mesmo serviço. Até dezembro de 2024, o local abrigava 274 pessoas, de acordo com os dados mais recentes da OIM.

Uma das unidades da Cáritas fechada em Boa Vista, localizada próxima à Rodoviária Internacional, no bairro Treze de Setembro, os atendimentos começam por volta das 8h. Na manhã de segunda, o migrante Joel Egoldo, de 44 anos, foi surpreendido pela suspensão dos serviços.

Na tarde dessa segunda-feira, funcionários da Cáritas foram ao local para retirar alguns equipamentos. Com os portões abertos por poucos minutos, os migrantes aproveitaram para encher diversas garrafas de água no local, que também fornecia água potável em bebedouros.

Acompanhado da esposa e do filho pequeno, Gerson José, de 27 anos, usava as instalações diariamente e espera que alguma organização ainda possa ajuda-los. Ele morava em Manaus, no Amazonas, e deixou a cidade no dia 11 de janeiro para regularizar a documentação em Roraima e tentar um processo de interiorização para viver em outro estado brasileiro.

“Eu vinha todos os dias, tomava banho, fazia as necessidades. Agora não tem onde. A gente procura fazer qualquer coisa porque a gente precisa tomar banho todo dia, que tipo de pessoa não toma banho? Só a gente que vive na rua e ainda toma banho. Mas a gente quer um apoio também de qualquer tipo de organização para nos ajudar, porque estamos ficando praticamente nas ruas”, afirmou Gerson José.

O migrante Simon José, de 30 anos, usava as instalações todos os dias antes de sair à procura de emprego pelas ruas de Boa Vista. Sem o serviço, ele acredita que a falta da higiene pessoal pode causar problemas até na busca por trabalho. Nascido na cidade de Puerto Cabello, no estado de Carabobo, ele está em Roraima desde outubro de 2024.

Com viagem marcada para o Espírito Santo, onde espera conseguir um emprego, Carlos Rosales, de 33 anos, não sabe como vai se preparar para viajar nesta terça-feira (28). “Sem o serviço fica muito difícil porque nós não sabemos como fazer. Agora, amanhã eu vou ter que pegar meu voo e ir”.

As instalações sanitárias da Rede Cáritas que atendiam migrantes e refugiados em situação de rua na capital Boa Vista e em Pacaraima foram fechadas nessa segunda-feira (27). A ação ocorreu após Donald Trump suspender o repasse de fundos americanos destinados à ajuda humanitária em outros países.

Em um cartaz colado no portão da instalação fechada em Boa Vista, a Cáritas informou que a medida atendia “ao pedido do financiador”.

Com o fechamento das unidades, os serviços disponibilizados pela instituição estão paralisados por tempo indeterminado. O fechamento ocorre após a determinação do presidente americano, que decretou a paralisação imediata dos repasses na última sexta-feira (24). Eles estão suspensos por 90 dias.

Durante o período de suspensão, o Departamento de Estado Americano deve revisar todos os programas em andamento para garantir que a ajuda esteja alinhada com os objetivos de política externa do governo Trump.

A Cáritas Brasileira é uma das 170 organizações-membro da Cáritas Internacional e é um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e possui uma rede com 198 entidades-membros, 13 regionais e 4 articulações.

No Brasil, a organização atua em cinco áreas: Economia Popular Solidária (EPS), Convivência com Biomas, Programa de Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ), Meio Ambiente, Gestão de Riscos e Emergências (MAGRE) e Migração e Refúgio.

Fonte: G1

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