Após 2 dias preso, professor negro acusado de roubo no litoral é solto pela Justiça; escola diz que ele dava aula na capital na hora do crime

Após passar dois dias preso, o professor de educação física Clayton Ferreira Gomes dos Santos deixou na tarde desta quinta-feira (18) a delegacia na Zona Sul de São Paulo.

À TV Globo, ele afirmou que a sensação de ter sido preso é “muito ruim”. “Você vê passar na televisão e acha que não vai acontecer com você. Aí, quando vem a realidade, você acaba caindo em si e aí você para e pensa: ‘Pô, o que eu fiz de errado?'”

O educador de 40 anos estava detido na cadeia do 26º Distrito Policial (DP), Sacomã, desde terça (16), após ser acusado pela Polícia Civil de participar do roubo de uma idosa em Iguape, município do litoral paulista, no ano passado. Ele afirma ser inocente.

A Justiça de São Paulo atendeu o pedido da defesa do professor, e concedeu, na quarta (17), um habeas corpus para libertá-lo.

Clayton disse também que não conhecia a cidade. “Nunca fui, nem sabia onde ficava Iguape.”

A vítima havia reconhecido o professor, que é negro, por meio de uma fotografia. Depois disso, a investigação conseguiu um mandado judicial de prisão temporária contra ele no final de 2023.

Além disso, a escola onde ele trabalhava à época informou que o educador estava dando aulas na capital paulista no momento em que os crimes aconteceram. Sendo, portanto, impossível estar ao mesmo tempo em dois lugares distantes 200 quilômetros um do outro.

“Concedo a liminar pretendida e determino a expedição de alvará de soltura”, continuou o magistrado, que argumentou que, nesse caso, o reconhecimento fotográfico não poderia ter sido a única prova para que a polícia pedisse à Justiça a prisão de um suspeito.

Professor foi reconhecido por foto

A vítima do sequestro e roubo em Iguape é uma aposentada de 73 anos que havia reconhecido Clayton na polícia da cidade litorânea, por fotografia, como uma das três pessoas que roubaram R$ 11 mil dela em 31 de outubro de 2023 na Avenida Adhemar de Barros, no Centro.

Mas, de acordo com a Escola Estadual Deputado Rubens do Amaral, na Zona Sul de São Paulo, Clayton estava dando aulas de educação física no mesmo horário e dia em que ocorreram os crimes. A escola fica na Rua Filipe Cardoso, no Jardim da Saúde.

Além do diretor da escola, a defesa e a família dele também alegam que o educador é inocente e que sua prisão foi ilegal (saiba mais abaixo).

Clayton não dá mais aulas nessa escola, na capital, que fica distante a mais de 3 horas de viagem do local no litoral onde a idosa contou ter sido abordada por um homem e duas mulheres que estavam num Chevrolet Celta preto. O motorista era um homem negro, de acordo com a vítima. Ela se identificou como sendo parda.

Segundo a aposentada, os sequestradores obrigaram-na a entrar no veículo. Depois a levaram até uma agência bancária, onde mandaram fazer dois saques, nos valores de R$ 5 mil e R$ 6 mil.

Em seguida, os bandidos, de acordo com a idosa, disseram para depositar o dinheiro na conta de uma das mulheres da quadrilha. Mais tarde, o grupo roubou seus cartões de banco e a abandonou em uma rodovia.

Professor trabalhava na hora do crime

Segundo o diretor de escola Vilson Sganzerla, Clayton trabalhou no dia 31 de outubro de 2023 no horário em que ocorreram os crimes.

O diretor encaminhou para a defesa de Clayton uma cópia da ficha de ponto do professor na data em que ele foi acusado de ter cometido sequestro e roubo em Iguape.

Advogado cita preconceito

Clayton é professor atualmente da Escola Estadual Maria José, na Bela Vista, Centro de São Paulo. Segundo seu advogado, Danilo Reis, o cliente e uma das mulheres foram reconhecidos pela vítima por fotografias apresentadas a ela pela polícia de Iguape.

O advogado não sabe como a foto de Clayton foi parar no banco de imagens mostradas pela polícia à vítima. “Ele nunca teve passagens criminais anteriores”, afirmou Danilo.

O advogado suspeita até da possibilidade de que alguém ainda não identificado possa ter usado a foto e documentos de seu cliente de maneira criminosa para prejudicá-lo.

A pedido da polícia de Iguape, e com a concordância do Ministério Público (MP) da cidade, a Justiça local decretou a prisão temporária de Clayton em 17 de novembro de 2023.

Danilo não soube informar se a outra mulher identificada pela vítima por foto foi presa também. “Só posso dizer que Clayton não conhece essa outra suspeita, nunca a viu. Ele sequer esteve em Iguape antes. Foi acusado pela polícia de dirigir o carro usado nos crimes, mas ele não tem nem carteira de habilitação. Não sabe dirigir e só usa transporte público.”

“Nunca praticou qualquer ato ilícito e principalmente por fisicamente ser impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo, agravando-se ainda mais por tratar-se de comarcas distintas e de distâncias consideráveis”, informa o pedido da defesa de Clayton no habeas corpus.

No entendimento da defesa, o professor está passando por “constrangimento ilegal” por causa da “injusta prisão”.

“São pessoas honestíssimas, trabalhadoras, íntegras. É revoltante”, disse a advogada Luana Barros, que defende os interesses do casal na esfera cível.

Policiais prenderam professor em delegacia

Segundo Maria Claudia Gomes, esposa de Clayton, ele foi preso após atender um pedido da polícia para comparecer ao 26º DP, Sacomã, na Zona Sul.

A mulher contou que seu marido recebeu uma carta na portaria do prédio em que moram, na capital, para ir à delegacia esclarecer informações que ele dera num boletim de ocorrência eletrônico que fez do furto de seu celular. Clayton não conseguiu reaver o aparelho furtado.

“Como que pode um inocente ter que provar que ele é inocente? Só no nosso país acontece isso de um inocente ter de provar que é inocente. A pessoa fica apavorada, sem saber de nada”, falou a esposa do professor.

O que diz a SSP

Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) respondeu que a investigação e a prisão de Clayton foi legal e que também apura se ele participou de outro roubo.

“A Polícia Civil esclarece que a prisão do homem citado foi realizada com mandado expedido pelo Poder Judiciário. Uma mulher de 73 anos, vítima de um roubo no valor de R$ 11 mil em outubro/23, reconheceu fotograficamente o homem em depoimento assinado em juízo. O mesmo homem também é investigado por um crime semelhante em setembro/23, no qual ele e uma mulher constam como beneficiários de uma transferência via PIX no valor de R$ 20 mil”, informa nota da SSP.

Após investigações, ele foi preso na manhã de terça-feira (16), na zona sul da Capital, e encaminhado para audiência de custódia, quando teve a prisão mantida pela Justiça. Posteriormente, a defesa dele solicitou um Habeas Corpus, que foi aceito. A decisão levou em conta o fato dele ter residência e empregos fixos. A Corregedoria da Polícia Civil segue à disposição para apurar qualquer denúncia sobre possíveis irregularidades.”

O que diz a defesa
A defesa do professor diz desconhecer a outra investigação.

“A defesa de Clayton Ferreira Gomes dos Santos vem, por meio desta, declarar que até o presente momento desconhece qualquer investigação anterior originária à prisão realizada, tampouco teve acesso às informações prestadas em nota oficial da Polícia Civil, e que de imediato, independentemente da liberdade concedida, Clayton irá colaborar com o que for necessário para prestar esclarecimentos em qualquer investigação em andamento, por ser o principal interessado na resolução desta situação mediante a comprovação de sua inocência.”

Fonte: G1

Notícias Relacionadas

Mulher que estava com estudante no hotel em que ele foi morto diz ter medo de sofrer retaliação e cita ‘falta de preparo’ de PMs

Mortes pela PM de SP aumentam 46% em 2024, segundo ano da gestão Tarcísio

Pai de estudante de medicina de 22 anos morto pela PM em SP conta que viu o filho vivo no hospital: ‘Me ajuda, dizia ele’