São Paulo Após crise entre polícias, Derrite recua e cria grupo de trabalho para estudar viabilidade de registro de ocorrências pela PM Redação23 de abril de 2024043 visualizações Depois de uma reunião tensa e que durou mais de dez horas com a cúpula de delegados da Polícia Civil, o secretário da Segurança Pública paulista, Guilherme Derrite (PL), recuou da decisão de a Polícia Militar (PM) registrar ocorrências de menor potencial ofensivo, os Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), e anunciou a criação de um grupo de trabalho para estudar a viabilidade da medida. O encontro começou por volta das 10h desta segunda-feira (22) e deveria terminar às 14h30, segundo fontes da corporação, mas só foi encerrado por volta das 20h40. O delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian, e o secretário-executivo da Segurança Pública, Nico Gonçalves, também participaram da reunião. Segundo Derrite, o grupo de trabalho vai durar 45 dias e também vai avaliar a possibilidade de implementação do “Boletim de Ocorrências Único”, uma antiga demanda da Polícia Civil, que prevê a unificação dos registros de ocorrência pelas polícias. “Nesse grupo de trabalho estarão presentes dois delegados de polícia, dois oficiais da PM e dois peritos da Polícia Técnico-Científica”, afirmou o secretário. Ao final dos estudos do grupo, de acordo com Derrite, a pasta vai “tomar uma decisão técnica” sobre os boletins únicos e os termos circunstanciados. Por meio de nota, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) disse que considera importante a decisão da SSP em criar o grupo de trabalho para o debate de novas diretrizes acerca do registro de ocorrências policiais de menor potencial ofensivo. Segundo a entidade, o recuo é o “reconhecimento, por parte do Estado, da necessidade, diante da celeuma instalada em torno da atribuição legal de cada instituição, de rever posições e de promover debate mais aprofundado sobre o tema – o que, em tese, deveria ter sido feito antes da tomada de qualquer tipo de decisão”. “O diálogo é sempre o melhor caminho, além de ser importante gesto no que tange respeito e consideração aos envolvidos no processo. A expectativa, agora, é a de que o Grupo de Trabalho, de fato, e de forma estritamente técnica, divorciada de ideologias políticas e de projetos individuais de poder e partidários, ou eleitorais, se debruce sobre as questões apontadas acima e que devem, sempre, ter como principal beneficiado a ponta – o cidadão paulista, que merece e precisa se servir de uma segurança pública acolhedora, coesa e qualitativa. Isso sempre respeitando os preceitos legais – uma vez que, como agentes do Estado, as instituições devem sempre dar o exemplo no cumprimento da legislação vigente”, declarou o órgão. O Sindpesp afirmou ainda que espera que, ao final dos 45 dias de prazo estipulado pelo Estado para a conclusão das análises, se apresente conclusões, “dentro dos preceitos legais, e que se conserve o respeito às atribuições e à valorosa história de cada Polícia, Civil e Militar, não ignorando o que prevê a Constituição Federal e a Lei Orgânica de cada uma das instituições”. Críticas da categoria A reunião entre os diretores da Polícia Civil foi convocada após a categoria ter se insurgido publicamente contra a decisão do secretário, que na semana passada autorizou a PM a registrar os TCOs. Os TCOs são voltados para crimes que não ultrapassem penas de dois anos de prisão, como lesões corporais leves, desacato e vias de fato. Até então, somente policiais civis registravam os TCOs nas delegacias. “Nós já temos a Polícia Civil sucateada, nós já temos delegacias que estão sendo fechadas e que já foram fechadas no passado por falta de efetivo, nós temos um déficit de 17 mil policiais faltantes nos quadros da Polícia Civil. Esse processo já vem ocorrendo há décadas”, pontuou André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. O Conselho da Polícia Civil é formado por delegados nos topos da carreira na polícia paulista, como diretores dos principais departamentos. O grupo pode discutir políticas de segurança institucional para a categoria. Além de dar aos policiais militares o poder de registrar os TCOs, a proposta prevê que os agentes da PM possam fazer diligências de casos que estejam acompanhando, apreendendo provas de crimes e solicitando a realização de exames periciais. A pasta de Derrite comanda tanto a PM quanto a Polícia Civil. Antes da criação do GT, a decisão do secretário sobre TCOs ainda não estava valendo, já que precisava passar por um termo de cooperação com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o que ainda não ocorreu. “O Tribunal de Justiça de São Paulo informa que há estudos técnicos da equipe de tecnologia da informação sobre a possibilidade de integração de sistemas com a Polícia Militar, inclusive para fins de cumprimento das ADIs 6245 e 6264, mas, no momento, sem formalização de termo de convênio”, informou o TJ no sábado (20). Desconforto na Polícia CivilOs TCOs continuariam a ser registrados também por policiais civis, mas a proposta do secretário de permitir que PMs passem a ter esta possibilidade não agradou sindicatos e delegados da Polícia Civil. Seus representantes acusam Derrite de dar à Polícia Militar o poder de investigar crimes, que não é atribuição de policiais militares. A função da PM, alegam, é o patrulhamento ostensivo. Cabendo aos policiais civis, segundo eles, a função de investigação e esclarecimentos dos casos. A Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) também se posicionou contrária à medida da SSP. Procurada pela TV Globo, ela classificou a proposta como inconstitucional porque o governo estadual não tem competência para legislar sobre a matéria. O ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, vê de forma positiva a atribuição de novas funções aos policiais militares, mas enfatiza que o trabalho de investigação deve ser feito exclusivamente pela Polícia Civil. “A Polícia Civil não está perdendo autoridade, nem a PM está invadindo suas prerrogativas legais. Na verdade, isso é um avanço no trabalho policial. A única reclamação que eu acho que tem validade é a PM, a partir do fazer um registro primeiro no boletim de ocorrência, ou um termo circunstanciado, fazer diligências. A partir daí, daí passaria a ser de investigação, e essa não é incumbência da polícia militar”, disse o coronel. Governador apoia medida A decisão de Derrite de dar poder de polícia investigativa à PM conta com o apoio do governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos). O político negou na sexta-feira (19) que exista uma divisão entre policiais civis e militares no estado. Segundo o governador, em 17 estados policiais militares já registram TCOs. “Não existe racha entre as polícias. A gente está querendo dar esse passo também. É razoável, já foi discutido. Tem acordo com a direção da Polícia Civil”, declarou Tarcísio. Na visão do governador, há jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) que protege a medida e, portanto, não pretende recuar da ideia. “É um passo importante, que tem previsão em termos de previsão judicial”, afirmou. O governador paulista também declarou que as recentes decisões da gestão de Guilherme Derrite na pasta da Segurança Pública não são de favorecimento exclusivo à Polícia Militar, em detrimento dos policiais civis, como a categoria tem verbalizado publicamente. Na visão de Tarcísio, são medidas para melhorar a presença da PM nas ruas no combate aos crimes diários registrados em todo o estado. “Não é questão de dar mais poder, é questão de melhorar o policiamento ostensivo. Para delito de menor relevância, é ruim desmobilizar uma guarnição, levar para uma delegacia de polícia e passar horas ali para fazer um boletim de ocorrência. O que estamos fazendo é melhorar o termo circunstanciado e isso deixa um efetivo maior na rua”, afirmou. Além da PM, o governo também estuda a possibilidade de os agentes penitenciários fazerem os termos circunstanciados em ocorrências de menor porte nas penitenciárias. Delegados criticam proposta Por causa da polêmica, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil) notificou Derrite sobre o que a entidade chama de “ilegalidades relacionadas a medidas institucionais recentemente implementadas no âmbito da Segurança Pública do Estado”. “Causa perplexidade anúncios veiculados na imprensa dizendo que o governo de SP está atribuindo competência investigativa da Polícia Civil à Polícia Militar. (…) Não cabe à Polícia Civil, pela Constituição, a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. De igual modo, não cabe à Polícia Militar o cumprimento de mandados de busca e apreensão, atividades de polícia investigativa ou de Polícia Judiciária”, informou a entidade. Delegado Palumbo, deputado federal pelo MDB e representante dos policiais civis no Congresso Nacional, disse que Derrite está “usurpando a função dos policiais civis”. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “o atual governo reconhece e valoriza as suas polícias de forma igualitária”. Porém, Jacqueline Valadares, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), disse haver déficit de policiais civis em São Paulo. “Nós temos um déficit de mais de 17 mil profissionais. Ou seja, a categoria está trabalhando com um efetivo 40% menor”, declarou. Fonte: G1