‘Big techs não são enviadas de Deus’, diz Moraes em meio a embate com Rumble e empresa de Trump

por Redação

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou as big techs e a instrumentalização de redes sociais para “atacar os pilares da democracia”, durante discurso nesta segunda-feira (24), em São Paulo, no momento em que empresas do setor reagem a medidas determinadas por ele. Moraes é alvo nos Estados Unidos de ações movidas pela plataforma de vídeos Rumble e pela Trump Media & Technology Group, empresa do presidente Donald Trump.

Sem citar o caso específico, o ministro usou a aula inaugural dos novos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde é professor, para repudiar o que chamou de “novo populismo digital extremista” e relacionar o uso de algoritmos a uma tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022.

Moraes é o relator do caso em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por liderar uma organização que buscava a ruptura institucional no país, com o objetivo de evitar a posse do presidente Lula (PT).

“As big techs não são enviadas de Deus, como alguns querem, não são neutras. São grupos econômicos que querem dominar a economia e a política mundial, ignorando fronteiras, a soberania nacional de cada um dos países e as legislações para terem poder e lucro”, afirmou Moraes, acrescentando que tais empresas distorcem conceitos como democracia e liberdade. “Liberdade para fazerem o que querem, porque são os maiores grupos econômicos do mundo”, pontuou. “Democracia é um negócio, dizem as big techs. Porque tudo para as big techs é dinheiro, é negócio: ‘Assim como vendemos carros, vamos vender candidatos’.”

O ministro não atendeu a imprensa após a aula. Antes da fala, quando seu nome foi anunciado, ele ouviu uma componente da mesa de honra se manifestar contra eventual anistia para Bolsonaro e aliados. A presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Júlia Pereira Wong, ergueu um cartaz com “sem anistia” e repetiu a expressão em voz alta. Outras placas pelo auditório onde estavam os alunos da nova turma também criticavam a possibilidade de perdão aos envolvidos em ataques contra o Estado democrático de Direito e clamavam por “Bolsonaro na prisão”.

‘Lavagem cerebral no mundo’

Moraes disse que o Brasil é um dos exemplos de países que passaram por abalos democráticos nos últimos anos em razão do direcionamento de algoritmos para, segundo ele, contribuir para uma corrosão democrática por dentro das instituições, com a transformação das redes em “instrumento para um discurso fascista”. Segundo Moraes, o caso brasileiro repetiu o roteiro de desestabilizar a democracia a partir da descredibilização do jornalismo profissional, da deslegitimação do processo eleitoral e do ataque permanente ao Poder Judiciário.

“No mundo todo, as big techs foram instrumentalizadas para a atacar os três pilares da democracia”, afirmou. “Em nenhum lugar do mundo esses grupos de extrema direita dizem que são contra a democracia. Eles dizem: ‘Essa democracia […] tem fraudes, então essa não vale, se eu perder [eleição] não vale, só tem democracia se eu ganhar. E, para poder fortalecer a democracia, eu tenho que tomar o poder’. Esse é o discurso”, afirmou, acrescentando que dessa forma se conseguiu “fazer essa verdadeira lavagem cerebral no mundo, de milhões e milhões de eleitores e eleitoras”.

Moraes afirmou ainda que hoje, no mundo todo, a democracia vem sofrendo “ataques organizados, competentes e lamentavelmente eficazes” e responsabilizou “grupos econômicos e ideologicamente fascistas de extrema direita” por se apropriarem das plataformas digitais para interferirem na política. O ministro também mencionou o avanço da extrema direita nas eleições na Alemanha, neste fim de semana, para ilustrar a tese de que “os algoritmos são direcionados ideologicamente para doutrinar as pessoas”.

O ministro disse que “determinados grupos políticos ideológicos” conseguiram captar um ressentimento de segmentos sociais que se veem como vítimas do avanço democrático, emparedados pela sensação de “universalização de direitos” por um lado e, por outro, pela “excessiva concentração de renda”, que gera desigualdade. “Não foram as big techs, as redes sociais, que geraram esse sentimento de rancor. Não. [Elas] souberam captar, e a partir dessa captação transformaram as redes sociais em um mecanismo de doutrinação em massa”, teorizou.

Paulo Guedes e a Disneylândia
Ao citar os avanços sociais e econômicos produzidos pela redemocratização no Brasil e pelas garantias introduzidas pela Constituição de 1988, Moraes ironizou Paulo Guedes, que foi ministro da Economia do governo Bolsonaro, por uma declaração de 2020 em que ele falou sobre condições que tinham permitido “empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”. O ministro não citou o nome de Guedes. “Quem não se recorda, inclusive, [de] uma pessoa que exerceu um cargo alto, um ministro, dizendo: ‘Até empregada doméstica está indo para a Disney’?”, alfinetou.

O membro do STF fez piada com a pecha de “comunista” atribuída a ele por adversários, como os bolsonaristas, ao usar como um exemplo a compra de uma “blusa vermelha” e a forma como as redes usam as buscas do usuário para oferecer produtos. Em tom bem-humorado, após citar a cor associada à esquerda, o magistrado disse que era “para falarem que eu sou comunista”.

Ele também fez piada com sua saída do X (antigo Twitter), na última semana. “Eu não tenho mais [rede social], como vocês devem saber. Não posso nem sair do X que já me deduram”, disse, para risos do auditório. Em outro momento, ele abordou a difusão de diferentes tipos de mensagens, falando que aquelas com ataques e xingamentos têm um alcance muito maior do que outras. Segundo o ministro, as redes “trabalham com amor ou ódio, não há espaço para meio-termo”.

Moraes encerrou o discurso celebrando, no entanto, o que classificou como capacidade do país de resistir às ofensivas antidemocráticas. “O que o Brasil demonstrou foi a resiliência das instituições. Nós podemos criticar a nossa Constituição à vontade, mas a Constituição de 1988, com todas as chuvas e trovoadas ao longo desses quase 37 anos, aguentou dois impeachments e uma tentativa de golpe”, afirmou, pregando que as instituições sejam “um anteparo a qualquer arroubo extremista”.

Fonte: VALOR

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