A Justiça Federal condenou um casal de comerciantes a dois anos de prisão em regime aberto por manter uma mulher em condição análoga à escravidão por mais de 30 anos na cidade de São Paulo, entre outubro de 1991 e julho de 2022.
Inicialmente, a pena foi fixada em dois anos de reclusão e multa, mas foi substituída posteriormente por uma pena restritiva de direitos, alternativa à prisão, quando o condenado não tem seu direito de ir e vir afetado. Assim, durante o mesmo período da condenação inicial, o casal terá de pegar dois salários mínimos e prestar serviço à comunidade ou a uma entidade pública.
A pena para o crime de redução a condição análoga à de escravo varia entre 2 e 8 anos de reclusão.
Segundo o processo, a vítima, que tem mais de 60 anos atualmente, trabalhava sem salário, sem direitos trabalhistas e sofria agressões dentro da casa dos réus, localizada no Brás, região central da capital.
A decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região reformou sentença de primeira instância que absolveu Maria Sidronia Chaves de Oliveira e José Enildo Alves de Oliveira e reconheceu que ambos submeteram a mulher a condições degradantes, com jornadas exaustivas e restrição de liberdade.
Em depoimento, os réus negaram as acusações e disseram que consideravam a mulher como parte da família.
O g1 entrou em contato com a defesa dos réus, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Vítima retirada de abrigo
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, a vítima foi levada para a casa dos réus em 1991, quando tinha cerca de 30 anos;
Na época, ela vivia em um abrigo da Pastoral do Migrante, na região do Glicério, no Centro da capital, e foi supostamente contratada para trabalhar como empregada doméstica;
O casal prometeu um salário mínimo mensal, mas pagou apenas o primeiro mês;
Depois disso, a patroa alegou que a vítima teria quebrado uma máquina de lavar e usou esse argumento para deixar de pagar pelos serviços prestados;
Durante mais de 30 anos, a mulher trabalhou sem carteira assinada e sem receber nenhum valor, sendo remunerada apenas com moradia e alimentação;
Ela também trabalhava na loja do casal, no Brás;
A jornada de trabalho era das 7h às 23h, podendo se estender até a meia-noite;
Em depoimento, a vítima disse que também era obrigada a cobrar cheques sem fundo de clientes;
No início dos anos 2000, ela teria passado uma semana em Goiânia cobrando pagamentos.
Tentativas de saída, agressão e terror psicológico
Em depoimento, a mulher falou que, em uma ocasião, ela tentou conseguir outro emprego, mas a patroa deu más referências para os potenciais empregadores, o que fez com que ela perdesse a oportunidade.
Ela contou que discutia muito com a patroa, que não admitia que ela retrucasse. A vítima afirmou que, quando Maria Sidronia ficava nervosa, começava a filmar e falava que a mulher era a Xuxa, e estava fazendo o “Show da Xuxa”.
A mulher relatou que considerava toda essa situação como um terror psicológico e que, às vezes, os dois réus partiam para cima dela.
Ela declarou que, certa vez, “respondeu” a patroa, e os dois réus lhe bateram, trancaram-na na lavanderia e só abriram a porta porque ela ameaçou pular por uma saída que dava na sala da casa. Afirmou também que, quando os patrões eram “bons”, ela ficava quieta, achando que a situação ficaria melhor, mas que, na primeira oportunidade, “degringolava tudo”.
Em 2014, uma denúncia anônima levou o Ministério Público do Trabalho a intervir no caso. O casal assinou um Termo de Ajustamento de Conduta, se comprometeu a registrar a mulher como empregada doméstica e a comprar um imóvel para que ela pudesse morar. No entanto, o acordo nunca foi cumprido.
Diante do descumprimento, em abril de 2022, a vítima procurou um Núcleo de Proteção Jurídico Social e Apoio Psicológico e relatou sua situação.
Ela foi resgatada por órgãos ligados aos direitos trabalhistas em julho de 2022, após solicitação do Ministério Público Federal e autorização da Justiça do Trabalho.
Fonte: G1