Como inalar gás hilariante virou um vício mortal nos EUA

O óxido nitroso — popularmente conhecido como gás hilariante ou gás do riso — tem diversos usos, desde analgésico em procedimentos odontológicos até agente aerador no chantilly.

Embora seus efeitos eufóricos sejam conhecidos há muito tempo, o crescimento do uso de vapes criou, segundo especialistas, um meio perfeito para o consumo do gás — e uma receita para o vício.

A morte de Meg Caldwell não era inevitável.

A jovem da Flórida, que montava cavalos, começou a usar o óxido nitroso de forma recreativa na universidade, oito anos atrás. Mas, assim como muitos jovens, ela passou a consumir com maior frequência durante a pandemia.

Caçula de quatro irmãs, ela era “a luz das nossas vidas”, disse à BBC sua irmã Kathleen Dial. Mas o consumo de Meg de óxido nitroso continuou a aumentar, ao ponto do vício “começar a destruir sua vida”.

Após uma overdose, ela perdeu temporariamente o movimento das pernas, o que também lhe trouxe problemas de incontinência.

Ainda assim, continuou usando o gás: comprava em tabacarias, inalava no estacionamento e logo voltava à loja para comprar mais — chegando a gastar centenas de dólares em um só dia.

Meg morreu em novembro de 2024, em um desses estacionamentos que ela costumava inalar o gás, ao lado da loja de vapes.

A evolução do vício de Meg — de uso recreativo na juventude para uma compulsão que coloca a vida em risco — tem se tornado cada vez mais comum.

Segundo o Relatório Anual dos Centros de Intoxicação Americanos, houve um aumento de 58% dos casos de exposição intencional ao óxido nitroso nos Estados Unidos entre 2023 e 2024.

No pior cenário, a inalação do óxido nitroso pode causar hipóxia, quando o cérebro não recebe oxigênio suficiente, o que pode levar à morte.

A inalação frequente também pode ocasionar deficiência de vitamina B12, o que leva a danos nos nervos, degeneração da coluna vertebral e até paralisia.

O número de mortes atribuídas à intoxicação com gás hilariante cresceu mais de 110% entre 2019 e 2023, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças.

A posse de óxido nitroso foi criminalizada no Reino Unido em 2023, após o aumento do uso entre jovens durante a pandemia.

E, embora muitos locais nos Estados Unidos tenham proibido o uso recreativo da substância, a venda como produto culinário ainda é legal. Apenas o Estado da Louisiana baniu totalmente a venda do gás.

A Galaxy Gas, uma das maiores fabricantes, oferece dois sabores do gás — framboesa e morango — e até publica receitas de alguns pratos em seu site.

Embalagens maiores e mais atraentes
Segundo especialistas, mudanças significativas na embalagem e na venda, assim como a brecha legal que existe atualmente, têm contribuído para o aumento do uso indevido do produto.

Até pouco tempo atrás, usuários utilizavam pequenos cilindros de metal de 8g e inalavam o gás por meio de um balão. Mas quando o uso disparou na pandemia, os fabricantes de óxido nitroso passaram a vender cilindros muito maiores — de até 2kg — pela internet e, eventualmente, em lojas que vendem vapes e outros tipos de cigarros.

Empresas também começaram a embalar o gás em cilindros coloridos, com desenhos de personagens de jogos de computador e séries de TV.

Pat Aussem, da organização Partnership to End Addiction (Parceria para acabar com o vício, na tradução livre para o português), acredita que essas mudanças estão por trás do aumento do uso indevido.

A BBC procurou a Galaxy Gas e a Miami Magic para comentar a situação, mas não recebeu nenhuma resposta.

A Amazon, plataforma onde o gás é vendido online, disse que tem consciência do uso indevido do óxido nitroso e que está trabalhando para implementar mais medidas de segurança.

Em resposta a uma reportagem da CBS News, parceira da BBC nos Estados Unidos, a Galaxy Gas disse que o gás foi feito para uso culinário e que há uma mensagem no site alertando sobre o uso indevido.

A preocupação com o uso indevido do gás hilariante aumentou no ano passado depois que vários vídeos de pessoas usando o produto viralizaram online.

Nas redes sociais, vídeos de jovens ficando “chapados” com o gás se espalham.

Um vídeo publicado em julho de 2024 por um restaurante de fast-food em Atlanta mostrou um jovem inalando óxido nitroso e dizendo: “Meu nome é Lil T, cara”, com uma voz alterada pela inalação do gás. O clipe foi visto mais de 40 milhões de vezes e deu origem a várias imitações.

O uso indevido do gás também passou a aparecer com frequência em videoclipes de rap e transmissões na plataforma Twitch.

Convidados experimentaram a substância no programa de Joe Rogan, e rappers, incluindo Ye (antigamente chamado de Kanye West) falaram publicamente sobre o abuso do gás.

Ye, inclusive, processou seu dentista, acusando-o de fornecer “quantidades perigosas de óxido nitroso”.

Em resposta a isso, o TikTok bloqueou as buscas por “galaxy gas” e redirecionou usuários a mensagens oferecendo informações sobre uso da substância e vício.

O rapper SZA também alertou seus seguidores nas redes sociais sobre os riscos do gás hilariante e criticou o produto por estar sendo “massivamente comercializado para crianças negras”.

Em março, a FDA, agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA, emitiu um comunicado oficial alertando contra a inalação do gás, após ter “observado um aumento de casos de efeitos adversos associados à inalação de produtos com óxido nitroso”.

A FDA disse à BBC que “continua monitorando ativamente efeitos adversos relacionados ao uso indevido de óxido nitroso e tomará as medidas apropriadas para proteger a saúde pública”.

Ações na justiça
Mas, para alguns, esses alertas vieram tarde demais.

Em 2023, a família de Marissa Politte, uma técnica em radiologia de 25 anos, processou a Nitrous Distributor United Brands — distribuidora de óxido nitroso — e foi indenizada em US$ 745 milhões após Marissa ter sido morta por um motorista que dirigia sob efeito do gás.

O júri considerou a empresa responsável por vender o produto ciente de que poderia usado de forma indevida.

“Primeiramente, a morte de Marissa Politte nem deveria ter acontecido, mas, meu Deus, que seja a última”, disse na época o advogado da família Politte, Johnny Simon.

Desde então, diversos acidentes fatais envolvendo o uso do gás foram registrados tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido.

Enquanto isso, a família de Meg está processando fabricantes e distribuidores do óxido nitroso, com o objetivo de retirar o produto das prateleiras das lojas, de uma vez por todas, nos Estados Unidos.

“É uma loucura pensar que essa droga possa ser comprada em uma tabacaria por qualquer pessoa.”

“Infelizmente, tem ficado muito óbvio que os fabricantes e os donos das tabacarias não vão tomar uma atitude moral e tirar esses produtos das prateleiras por conta própria”, afirmou a irmã de Meg.

Fonte: G1

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