Conheça a última locadora de games de SP, que tem quase 3 décadas, é tocada por ‘jovem’ de 73 anos e resiste à febre do streaming

Ele não tinha Instagram, o computador de sua loja não tem conexão com a internet, a ficha de novos clientes é feita em um software pensado para o século passado, e seu estabelecimento só aceitava dinheiro de papel antes da chegada do Pix. Mesmo assim, o jovem senhor Roberto Caetano, de 73 anos, é dono da última locadora de games para console na cidade de São Paulo, algo um tanto quanto tecnológico.

A World Games fica num pequeno e aconchegante subsolo da Vila Gustavo, na Zona Norte da capital. Mas lá cabem mais de 3,8 mil jogos para vários modelos de videogame — e não também não falta espaço para a clientela, que é considerada parte da família.

Se falta ligação com a tecnologia, sobra conexão com as pessoas. Não à toa ele é “tio” de todo mundo que entra na loja: ao longo de quase 30 anos de história, uma legião de sobrinhos foi cultivada no mesmo endereço da Rua Tosca.

Foi justamente por um desses parentes postiços que o negócio de Roberto voltou a bombar mesmo na era dos streamings de games: Caio Machado, especialista em redes sociais e frequentador assíduo da locadora desde a infância, publicou um vídeo falando sobre o “tio” e a loja. O resultado? O conteúdo viralizou e já tem quase 3 milhões de visualizações no TikTok e no Instagram.

O g1 visitou o local, conversou com o senhor Roberto e com alguns membros dessa família muito unida que é a World Games.

Do leite ao game
Entrar no mundo dos games nunca esteve nos planos de Roberto, que trabalhou vendendo leite durante 39 anos antes de se dedicar à locadora. “Parei porque não estava mais dando lucro, foi na época que mudaram para leite longa vida.”

A história começou por causa do cunhado, que tinha uma videolocadora: “Quando comprava os filmes, vinha bastante jogo de videogame. Eu colocava os games de um lado, os filmes do outro e ia alugando separado, mas o lucro era todo para ele no começo”.

Até que o parceiro ficou doente, e Roberto teve que tocar o negócio sozinho. “Quando ele voltou e assumiu a loja, já estava com cento e poucos jogos.”

Todo o dinheiro ganho por ele era reinvestido da nova empreitada. “Isso foi de 1993 para 1994. Ficou pequeno para nós dois lá em cima. Aí tinha um salão aqui embaixo, onde estamos hoje, e não era usado. Eu reformei, fiz a locadora aqui embaixo e, quando vim, já estava com 754 jogos.”

A inauguração oficial foi em 1995. De lá pra cá, foram gerações e gerações de consoles. O acervo atual é de 3.806 jogos. Ao longo de quase 30 anos de existência, são mais de 16 mil clientes.

73 anos só no RG
Ao ser questionado sobre como lida com a modernidade, Robertou deixou claro: “Não sou velho! Eu tenho idade… É diferente. Eu tenho 73 anos, mas de cabeça eu não tenho essa idade, não”, disse ele, rindo.

“Eu trabalho o dia inteiro dando risada, brincando, fazendo piada, falando palavrão, escutando besteira. Como que eu vou ficar velho?”

Apesar de ser jovem em diversos aspectos, algumas características entregam sua idade (além do charmoso bigode branco). Entre elas, a que mais chama a atenção é a desconfiança com novas tecnologias.

A locadora nunca teve uma maquininha de cartão, por exemplo. Antes da invenção do Pix, quem alugava um jogo na World Games tinha que fazer igual aos maias e astecas: usar dinheiro de papel.

Atualmente, a tabela de preços dos jogos é esta:

PlayStation 2

R$ 3,50 a diária do jogo
R$ 17,50 para uma semana com cinco jogos

PlayStation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii

R$ 4 a diária do jogo
R$ 20 para uma semana com cinco jogos
PlayStation 4 e Xbox One

R$ 6 a diária do jogo
R$ 30 para uma semana com cinco jogos
PlayStation 5 e Nintendo Switch

R$ 8 a diária do jogo
R$ 40 para uma semana com cinco jogos

O vídeo viral
Caio Machado conta que não tinha pretensão nenhuma quando fez o vídeo com o “tio”: “Sempre posto, antes mesmo de postar o vídeo do tio, já tinha tido mais de 5 milhões de visualizações com um vídeo brincando com a minha esposa, zoando. Depois disso, comecei a acreditar que levava jeito”.

Apaixonado por jogos, ele é cliente fiel da World Games desde os 11 anos, quando ganhou um PlayStation 3 de presente do pai. “Se colocar uma porcentagem, 25% da minha vida é videogame.”

Para Caio, a loja é um marco no bairro: “Não só por cultivar as raízes da locadora, mas por dar acessibilidade, porque nem todo mundo tem dinheiro para gastar num videogame. Para mim, isso que o tio faz é surreal”.

“A maioria das vezes que eu venho aqui não é para alugar jogo. Às vezes, paro de trabalhar, ou estou no almoço, minha esposa está em casa e eu falo: ‘Vou lá no tio bater um papo’. Desde o primeiro, fluiu, desde quando era criança, ele pegou um carinho por mim, me viu crescer. É fato, o tio é parte da minha vida, é como se fosse família. Eu, que não tenho mais meus avós, ele é uma figura super, super, super parte da família”, relatou.

O carinho pela World Games é tão grande que Caio fez questão de compará-la com a maior rede de locadoras já existente, a Blockbuster, que declarou falência em 2010 e começou a fechar uma a uma suas unidades.

“Especificamente falando daqui, tem a questão da nostalgia. Eu venho aqui justamente porque sei que vai me trazer sentimentos bons, sensações boas. É um marco ainda estar com tanto movimento. Hoje, a Blockbuster mesmo tem uma unidade, que fica lá no Oregon [EUA], e é Blockbuster, né? E o tio está batendo de frente com a Blockbuster, porque ele também tem uma unidade”, brincou.

Em casa de ferreiro…
Luana Caetano tem 31 anos e sua história se confunde com a da World Games: “Sou filha do Roberto, o ‘tiozinho’ da locadora. Tenho um irmão, que é o mais velho, de 40 e poucos anos, tem a locadora, que é a filha do meio, e tem a Luana, que é a filha mais nova. Isso aqui é a vida dele”, brincou.

“Fez parte da minha infância. Sempre estudei numa escola próxima daqui. Todo mundo do colégio conhecia meu pai, ele fez parte da infância do meu bairro.”

“A evolução da loja foi muito dura, porque, apesar de ser uma locadora, que envolve tecnologia, games, jogos, meu pai sempre foi totalmente avesso a isso. Por exemplo, máquina de cartão foi uma coisa que ele nunca deixou.”

“Desde que o Instagram começou a dar uma bombada, youtubers e tudo mais, eu sempre falei: ‘Pai, faz uma parceria, entrega alguns jogos, post divulgando a locadora’. Ele respondia: ‘Não, daí eu vou perder o controle da locadora, vou ter muito cliente, não vou conseguir, não vai dar certo'”, contou.

“Basicamente, antes de entrar o Pix, foi só dinheiro e cheque, por incrível que pareça. A locadora não tem um WhatsApp, não tem um sistema dela, é muito manual, o sistema do meu pai deve ter sido feito em bloco de notas, é de 1920, tem em uma tela colorida, é bem antiquado”, provocou a filha.

E, todo orgulhoso, Roberto fez questão de mostrar o sistema de controle de clientes que usa há tantos anos. Nem conexão com a internet tem. Mas isso não é problema para ele.

Fonte: G1

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