Corte de R$ 70 bilhões: mercado via pacote com bons olhos, mas não contava com isenção do IR

O sentimento de analistas do mercado financeiro e economistas foi agridoce após o anúncio dos primeiros detalhes do pacote de corte de gastos do governo federal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou o plano em rede nacional nesta quarta-feira (27). (veja no vídeo acima)

Por um lado, veio a confirmação de que a economia estimada é de R$ 70 bilhões para os próximos dois anos, em linha com o que se esperava. Por outro, houve críticas à renúncia de receitas para isentar os trabalhadores com salário de até R$ 5 mil do Imposto de Renda (IR), uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Durante a semana, a corretora BGC Liquidez havia feito uma sondagem com investidores institucionais para saber como reagiriam a um pacote justamente na casa dos R$ 70 bilhões. Foram consultados gestores de fundos, economistas, analistas e estrategistas.

Metade havia respondido que um corte desse montante seria recebido de forma positiva. Outros 40% diziam que o impacto seria neutro.

Os questionamentos, porém, foram feitos antes da notícia de que o governo federal pretendia aplicar, neste momento, uma isenção de Imposto de Renda a quem ganha mais que R$ 5 mil. A medida precisa do aval do Congresso Nacional.

“Muito ruim como sinalização misturar os dois vetores em uma comunicação só. Era para o momento ser focado e direcionado para uma agenda de disciplina fiscal e de contenção de gastos”, prossegue.

Atualmente, a tabela do IR determina uma faixa de isenção de R$ 2.259,20. Além desse valor, há um desconto de R$ 564,80 estabelecido pelo governo para assegurar a isenção a quem ganha dois salários mínimos. Na prática, portanto, estão isentos aqueles que recebem até R$ 2.824.

De acordo com Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, a isenção do IR custaria ao menos R$ 45,8 bilhões.

O especialista pondera, no entanto, que o cálculo é otimista, pois parte do princípio de que a tabela do IR seria modificada, garantindo a focalização do benefício aos contribuintes de renda mais baixa.

Para compensar as perdas com a mudança no IR, o governo propôs aumentar a taxação dos contribuintes que ganham acima de R$ 50 mil por mês. Por isso, a nova medida não trará impacto fiscal, afirmou Haddad.

Para a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, a falta de detalhamento ainda coloca em dúvida a efetividade dessa compensação. “Esse parece ser o ponto de maior preocupação, por poder representar uma importante perda de receita para o governo”, diz.

A meta fiscal para 2024 e 2025 é de déficit zero — ou seja, de igualar receitas e despesas para não aprofundar a dívida federal. A preocupação dos analistas é de que as medidas anunciadas para os próximos dois anos sejam atropeladas por uma renúncia fiscal que vai adiante no tempo.

“Esse montante [de R$ 70 bilhões], incerto, seria insuficiente para as necessidades do ajuste fiscal e o alcance das condições de sustentabilidade da dívida/PIB.”

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, também acha pouco o anúncio dos R$ 70 bilhões pensando na trajetória da dívida pública para o ano de 2027 em diante.

“Digamos que esse valor para dois anos represente R$ 35 bilhões por ano. Só para 2025, projetamos um rombo de R$ 55 bilhões. Então, teria que contingenciar pelo menos R$ 20 bilhões para cumprir a meta”, explica Agostini.

Já André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no FMI e professor licenciado da UnB, acredita que o pacote de contenção ataca “injustiças sociais históricas”, como os supersalários de setores do funcionalismo público e a tributação dos salários mais altos.

“Ainda é cedo para avaliarmos o alcance dos impactos destas mudanças, mas houve um viés progressivo na repartição do ônus do ajuste, ampliando a fatia paga pelos mais ricos e impondo limites ao avanço das emendas parlamentares”, diz.

Antes mesmo do anúncio oficial, a notícia de que o governo iria propor uma elevação na isenção do Imposto de Renda causou turbulência nos mercados nesta quarta. O dólar subiu 1,80% e encerrou a R$ 5,91, no maior valor de fechamento da história. Já o Ibovespa recuou 1,73%, aos 127.669 pontos.

Fonte: G1

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