Defensoria recomenda à Prefeitura de SP a retirada de muro e gradis da Cracolândia; MP apura

A Defensoria Pública de São Paulo emitiu um ofício na tarde desta quarta-feira (15) recomendando que a Prefeitura retire os gradis, o muro e qualquer barreira física colocada na Rua dos Protestantes, na Cracolândia, que impeça a livre circulação de pessoas em vias e espaços públicos sem qualquer justificativa legal.

O ofício foi emitido após a reportagem publicada pelo g1 sobre o muro de 40 metros de extensão que foi levantado há seis meses e cerca, em conjunto com os gradis, um triângulo entre as ruas Protestantes, Gusmões e General Couto Magalhães, na região da Santa Ifigênia.

A gestão Nunes afirma que o muro não é usado para confinamento dos frequentadores, no entanto, eles são aglomerados atrás da estrutura de concreto.

Na recomendação, é reforçado que as barreiras impedem a “livre circulação das pessoas, o acesso à água potável e banheiros e que tal estratégia já foi adotada em outras oportunidades e não há qualquer comprovação de sua eficiência para atingir os objetivos declarados de melhor atender os usuários”.

A ação da prefeitura também é classificada pelo órgão como uma arquitetura hostil, que tem como objetivo afastar a população em situação de rua do local, que passam a ser isoladas no espaço, configurando uma prática discriminatória.

Nesta quarta, o Ministério Público de São Paulo informou que a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Capital vai apurar o caso.

A Defensoria também afirma que no dia 9 de dezembro do ano passado, questionou a gestão sobre os gradis e foi respondido que eles se faziam necessários para “segurança dos usuários e bem-estar da população local”. E requisitou uma cópia do procedimento administrativo que “culminou no ato administrativo executivo de colocação de gradis/muros na Cracolândia situada no centro histórico da Cidade de São Paulo, a fim de verificar sua legalidade e motivação.”

Além de recomendar a retirada do muro e dos gradis, a Defensoria também questiona:

se foram verificadas outras medidas menos gravosas, em relação à colocação de gradis móveis e à decorrente restrição da liberdade de locomoção e de permanência de pessoas em espaço público, para a obtenção dos objetivos declarados?
se verificado o aumento do número de abordagens e encaminhamentos realizados após a instalação dos gradis/muros?
para quais serviços são encaminhadas as pessoas que são abordadas na cena aberta de uso? Quantas pessoas foram encaminhadas para o HUB? Quantas pessoas foram encaminhadas para centros de acolhida? Quantas foram encaminhadas para CAPS AD IV? Após a abordagem e encaminhamento, qual o seguimento e acompanhamento realizado pela Prefeitura? Há um mapeamento para saber se as pessoas, efetivamente, vão para os locais para os quais foram encaminhadas e, caso necessitem, recebam tratamento de saúde? Como ele é realizado?

A Defensoria deu o prazo de 10 dias para a prefeitura responder aos questionamentos.

Em nota, a prefeitura informou que assim que receber o ofício, ele será analisado pelas áreas envolvidas e respondido (leia a íntegra mais abaixo).

Relatório

Em um relatório feito em junho, logo após a construção do muro, a Defensoria chamou a área cercada por um muro e gradis na Cracolândia, no Centro, de “curral humano” e descreveu que os usuários eram escoltados por viaturas da Guarda Civil Metropolitana e direcionados para a área cercada em grupos.

Um vídeo gravado por agentes da Defensoria mostra uma viatura seguindo um grupo, até que um homem começa a gritar que está “sendo tratado igual bicho”. Dois agentes saem da viatura e se aproximam dele. (veja acima)

O relatório ainda menciona truculência e agressão por parte dos agentes.

O muro

Os usuários ficam aglomerados atrás do muro, em uma área formada pela Rua dos Protestantes e a Rua dos Gusmões, que são cercadas pela gestão municipal com gradis.

A prefeitura argumenta que a construção, dentre outras medidas, ocorreu para melhorar o atendimento dos usuários, garantir mais segurança para as equipes de saúde e assistência social e facilitar o trânsito de veículos na região.

A administração municipal diz ainda que, entre janeiro e dezembro de 2024, houve redução, na média, de 73,14% de pessoas no local.

Em junho de 2024, quando o muro de concreto já estava em pé, a prefeitura instalou gradis e delimitou ainda mais o espaço de usuários. Na época, o g1 publicou uma reportagem sobre os gradis. O uso do gradil foi decidido durante reunião entre agentes estaduais e municipais das áreas da saúde, assistência social e segurança.

Ativista fala em ‘campo de concentração de usuários’
Para um representante do coletivo Craco Resiste, no entanto, o muro fecha “um triângulo no fluxo” e cria um “campo de concentração de usuários”.

Para entrar no cerco, eles passam por revistas, que seriam para retirar coisas ilícitas, segundo ativistas.

Para Roberta Costa, da Craco Resiste, o muro foi levantado para manter os usuários no espaço e “cobrir” a visão da Cracolândia para quem passa de carro pela Rua General Couto Magalhães.

“A gente vive hoje na cidade uma cena absurda e bizarra de violência contra as pessoas que estão desprotegidas socialmente. É uma coisa que não vem de agora, já faz muitos anos que o poder público viola essas pessoas”, critica.

Na avaliação dela, a situação só piorou. “O que a gente viu acontecer no ano passado está num nível muito bizarro, que, inclusive, parece visualmente um campo de concentração”, diz.

Roberta afirma que o muro “encarcerou” os usuários, e os movimentos de direitos humanos são impedidos de entrar na área para prestar serviço a eles. Ela conta que tentaram fazer uma ação de Natal no dia 22 de dezembro com frutas, comida e arte, mas foram impedidos de se aproximar dos usuários.

De acordo com os documentos da Subprefeitura da Sé, o muro começou a ser erguido no final de maio e foi concluído no final de junho. O aceite definitivo da obra pela subprefeitura, feito após a inspeção do local, ainda não aconteceu, segundo o processo administrativo.

Usuários se espalham
Enquanto houve redução de pessoas no fluxo da Cracolândia, outras regiões da capital registraram o surgimento de aglomerações de dependentes químicos.

São os casos da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na Zona Sul da capital, e da Rua Doutor Avelino Chaves, na Vila Leopoldina, Zona Oeste.

Atualmente, na região central da cidade, o fluxo confinado pelo muro na Rua dos Protestantes é considerado o único ativo.

Reportagem da TV Globo mostrou que a média diária de usuários presentes no período da manhã foi de 511, em 2023, para 144, em 2024. Já à tarde e à noite, a média caiu de 467 para 149 pessoas.

Embora tenha diminuído a quantidade de pessoas nesse ponto, não houve queda no número de usuários.

Uma das maneiras de medir o uso de drogas por região é o nível de atendimento no hub de cuidados em crack e outras drogas, que é administrado pelo governo estadual.

Segundo o diretor da unidade do Centro, Quirino Cordeiro, a quantidade de dependentes, na verdade, só tem aumentado.

O que diz o contrato de construção do muro
No contrato, a obra é descrita para “a construção de muros de fechamento parcial do imóvel localizado na Rua General Couto Magalhães, esquina com a Rua dos Protestantes”. O imóvel em questão parece estar abandonado.

O contrato foi fechado em 15 de abril de 2024. A empresa beneficiada pela contratação é a Kagimasua Construções Ltda., com sede na região.

O contrato foi precedido de licitação na modalidade concorrência. A Kagimasua ofereceu o menor valor para a construção do muro.

A concorrência foi aberta em fevereiro de 2024. Diversas empresas participaram do pregão com lances acima de R$ 100 mil, mas somente a Kagimasua teve a proposta negociada, segundo dados do Portal da Transparência.

A via mencionada fica em uma das áreas mais policiadas da cidade, onde estão localizados o Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc), o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), o Comando Geral da Guarda Civil Metropolitana (GCM), três batalhões da Polícia Militar, um batalhão da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e duas delegacias.

Fonte: G1

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