Drauzio Varella faz denúncia ao MP contra o uso de sua imagem em vídeos para vender supostos remédios milagrosos

O médico Drauzio Varella fez uma denúncia no Ministério Público de São Paulo contra o uso de suas imagens em vídeos para vender supostos remédios milagrosos sem sua autorização. A investigação está em andamento sob segredo de Justiça.

O g1 revelou nesta quinta-feira (18) que atores e atrizes interpretam médicos em produções roteirizadas na internet para vender produtos que prometem resultados milagrosos, mas não têm registro na Anvisa. Os vídeos têm a intenção de parecer reais e alguns não incluem um alerta ao internauta informando que se trata de uma encenação.

Segundo Drauzio, o objetivo da investigação é encontrar as pessoas que usam imagens dele e de outras personalidades para vender produtos.

“Eu tive que contratar um escritório de advocacia e tive que fazer uma denúncia ao Ministério Público. Até onde eu sei, isso está em segredo de justiça, mas eles estão chegando à quadrilha que está usando meu nome e de outras pessoas também para enganar a população”, disse Drauzio.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) reuniu diversos vídeos como os de Drauzio e mandou um pedido para a polícia e para o Ministério Público investigarem a prática.

“Práticas como esta são extremamente perigosas, podendo ser consideradas um crime, de modo que as pessoas envolvidas podem responder, inclusive, por falsidade ideológica, uma vez que utilizam nomes de médicos verdadeiros para venderem medicamentos, suplementos, entre outros”, diz Angelo Vattimo, presidente do conselho.

O g1 conversou com dois artistas que atuam nas gravações. Fernanda Padilha e Sidnei Oliveira, de São Paulo, se apresentaram nos vídeos como especialistas com anos de carreira na área da saúde, mas alegam ter apenas interpretados personagens fictícios criados para fins publicitários.

Um deles era uma entrevista no suposto programa “Saúde em Foco”, que desenrolava um bate-papo de mais de uma hora entre o “endocrinologista renomado” Ricardo Bruno e a apresentadora Vanessa Amorim.

A conversa mostrava infográficos, filmagem com várias câmeras em estúdio, jaleco bordado com o nome “Ricardo Bruno” e o depoimento do falso especialista sobre uma bactéria que “acumula gordura corporal enquanto você dorme”.

Depois de quase uma hora de conversa, o assunto revelou a venda de um produto que prometia ajudar a emagrecer, o Night Slim, que teria sido criado por ele devido à luta da esposa para emagrecer.

No entanto, o registro profissional do médico citado no site com o vídeo é de Ricardo Vasconcellos Bruno, um ginecologista do Rio de Janeiro, e não do homem que aparece sendo entrevistado.

O verdadeiro Ricardo preferiu não gravar entrevista, mas confirmou que denunciou o caso à polícia.

Quem fala sobre o produto na entrevista é, na verdade, o ator Sidnei Oliveira. Procurado pelo g1, ele contou que foi “contratado como ator para interpretar um personagem simples”, mas que se desvinculou do trabalho.

“Eu não faço mais parte. Portanto, não estarei mais nos vídeos e acredito que me citar na reportagem será em vão, pois minhas cenas estão sendo retiradas.”

Questionado se sabia sobre o uso da imagem para a venda de produtos e citado como especialista da USP, Oliveira afirmou, por meio de mensagem de visualização única e áudio, que não sabia.

Ele disse ainda que passou o contato do jornalista para os responsáveis por sua contratação e não deu detalhes sobre o serviço prestado nem quem eram seus contratantes.

Queixas no Reclame Aqui
No Reclame Aqui, site usado para divulgar reclamações e denúncias de consumidores pelo país, uma usuária descreveu, no dia 8 de julho, que fez a compra do produto apresentado por “Ricardo Bruno”, recebeu comprovantes do pagamento, mas não teve a mercadoria entregue.

“Em julho de 2024, assisti a um vídeo que apresentava um médico, dr. Ricardo Bruno, que se diz endocrinologista e professor da USP, mostrando um suplemento/medicamento aprovado pela Anvisa para emagrecer. Acreditei no suposto ‘médico’ e comprei o produto. Preocupada, no dia seguinte entrei em contato com o suporte ao cliente solicitando o cancelamento da compra.”

Em outro relato do Reclame Aqui, feito nesta terça-feira (16), a pessoa afirma que nunca recebeu retorno da empresa.

Quem entrevistou o ator em um dos vídeos gravados em um estúdio de São Paulo foi a “apresentadora” Vanessa Amorim, que, na verdade, é a atriz Fernanda Padilha (leia abaixo o posicionamento dela na íntegra).

Ela também aparece em outros conteúdos que circulam na internet como farmacêutica e médica, sugerindo um pó como a “saída natural para uma visão saudável”, o “Alívio 360”, um produto para mulheres na menopausa, e um produto para refluxo.

As personagens da atriz Fernanda Padilha são pelo menos quatro: a médica “Roberta Zanetti”, que também se diz diretora de pesquisas há mais de 19 anos, a médica “Roberta Damaceno” e a farmacêutica “Maria Fernandes”, além da apresentadora “Vanessa Amorim”.

Ao g1, Fernanda Padilha falou que “estão circulando vídeos na internet criando uma distorção sobre sua índole e trabalho”.

A atriz argumentou que um contratante disse que “pessoas estão roubando as imagens” e usando ferramentas de sincronia labial e mudando o texto gravado.

Segundo a atriz, ela foi contratada para ao menos três produtos: Night Slim, VisiControl e Alívio 360.

O que dizem os representantes dos produtos
José Detzel, de 18 anos, representante da Night Slim, disse ao g1 que “Fernanda não representou nenhum papel de médica”, e pediu para a reportagem procurar o advogado da empresa, mas não encaminhou contato.

Já o advogado que representa a VisiControl, que contratou Fernanda Padilha para falar de um produto para a visão, declarou, em nota, que o vídeo da oferta conta com disclaimers – que são avisos legais para informar ao consumidor que se trata de uma história fictícia.

Ainda segundo a nota, “em nenhum momento a atriz foi mencionada ou retratada como médica, sendo sua atuação meramente ilustrativa e com fins publicitários”.

“Devido à adesão abaixo do esperado, o suplemento alimentar ‘VisiControl’ foi descontinuado e não se encontra mais disponível para comercialização.”

Sobre a Alívio 360, Fernanda disse que o contratante pediu para não passar informações por questão de sigilo contratual.

Na internet, outros atores também aparecem interpretando profissionais da saúde. Alguns depoimentos como especialistas ou pacientes fictícios chegam a ser vendidos a R$ 20 em um site.

O Harmony House, dono do estúdio onde foi gravado o programa “Saúde em Foco” com os dois atores em São Paulo, afirmou, por nota, que o serviço de gravação foi contratado por um cliente de nome José.

“Nós, como estúdio de locação, oferecemos serviços para a gravação de conteúdos de áudio e vídeo conforme as especificações fornecidas pelos nossos clientes. Não temos envolvimento ou conhecimento sobre o conteúdo dos projetos gravados em nossos estúdios. A responsabilidade pelo conteúdo, assim como pela contratação dos apresentadores e demais participantes, é integralmente do cliente”, escreveu.

O site com a entrevista dos dois atores aparecia como “patrocinado” no Google e foi retirado do ar depois do pedido de posicionamento às partes envolvidas.

O g1 procurou o Google. A empresa respondeu que tem políticas que restringem anúncios de saúde e medicamentos que não estejam de acordo com normas e regulamentações locais.

“Quando identificamos uma violação de nossas políticas, agimos imediatamente suspendendo o anúncio e, se for o caso, bloqueando a conta do anunciante. No total, apenas em 2023, nós bloqueamos ou removemos, globalmente, 5,5 bilhões de anúncios e 12,7 milhões de contas de anunciantes por violações às nossas políticas. Se algum consumidor suspeitar ou for vítima de golpe, oferecemos uma ferramenta para denunciar violações de nossas políticas.”

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) comentou os supostos selos de aprovação usados em suplementos como o Night Slim: “Não há nenhum medicamento registrado na Anvisa com o nome Night Slim. Dessa forma, não se trata de medicamento autorizado para nenhuma indicação terapêutica. Destacamos que somente medicamentos registrados na Anvisa podem alegar propriedades terapêuticas na Anvisa”.

O que diz o Conar
Em nota, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) afirmou que o uso de testemunhais falsos é rechaçado pela legislação e pelas regras éticas do órgão.

O conselho esclareceu, ainda, que suplementos que integram o gênero alimentício não podem prometer cura ou benefícios diretos à saúde, e relatou que, a partir da pandemia, verificou-se uma tendência maior de apelos irregulares no segmento, com promessas enganosas.

Por fim, o Conar contou que diversos processos já foram instaurados e a “definição de irregularidade só pode ser tomada após o julgamento de um caso”.

Cremesp investiga
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) disse que nas publicações checadas não há nenhuma indicação de que a pessoa que está participando do anúncio é ator ou atriz.

“[Solicitamos] a exclusão imediata destas publicações mentirosas das redes sociais, que só prejudicam a população e a própria classe médica. Reforçamos, ainda, a importância do uso do Guia Médico, disponível no site do Cremesp, que permite checar, pelo nome ou CRM, se o profissional é realmente médico e se possui especialidade registrada.”

O que diz Fernanda Padilha
“Recentemente, fui contratada por algumas empresas de suplementos vitamínicos para interpretar personagens fictícias em seus vídeos publicitários. Há aproximadamente três semanas, enviaram-me um vídeo produzido por um influencer que atribuía a mim responsabilidades que são das empresas contratantes, além de distorcer o meu trabalho e minha índole.

Por exemplo, o vídeo me acusa de “vender medicamentos falsos”, induzindo a audiência à ideia errada de que a responsabilidade pelos produtos é minha e de que existiu uma intenção minha de “vender medicamentos falsos”. Primeiramente, nunca fiz um vídeo publicitário para medicamento. Todos são suplementos nutricionais. Todo material publicitário foi gravado para a venda de suplementos alimentares e não de remédios.

Em nenhum momento foi gravado por mim algum conteúdo prometendo tratamento terapêutico ou até mesmo cura de doenças. Todos os contratos me eximem de toda e qualquer responsabilidade com relação à concepção do produto, sua validação perante órgãos pertinentes, conteúdo do roteiro, qualquer garantia expressa explícita ou implícita relacionada ao produto, além de qualquer ação legal decorrente do projeto. Além disso, as empresas têm a responsabilidade de informar expressamente que sou uma atriz interpretando uma personagem fictícia.

Os vídeos do influencer criaram uma falsa narrativa sobre meu trabalho e minha índole. Pessoas começaram a entrar na minha rede social para me xingar e difamar de forma extremamente agressiva. Esses vídeos foram compartilhados em grupos do WhatsApp pelo Brasil todo indiscriminadamente, me afetando pessoalmente. Foi então que comecei a fazer vídeos na tentativa de esclarecer sobre o trabalho do ator e sobre o que aconteceu comigo. Além de tudo isso, descobri sofrendo na pele que esse meio apresenta um problema sério que afeta principalmente a nós, atores, já que estamos expostos. Indivíduos que não possuem o direito da nossa imagem usam uma IA para fazer uma sincronização de lábio, mudam o texto completamente ou aproveitam parte do texto gravado e fazem o que querem com a nossa imagem, utilizando-a indevidamente.

Ontem fui informada de que 3 vídeos contendo minha imagem manipulada estavam circulando na rede. Antes de ontem, foram 4. Eu recorro aos contratantes que detêm a guarda da minha imagem para que solicitem a retirada do ar. Infelizmente, não tenho controle sobre isso porque as propagandas não chegam a mim. Assim que fui informada que alguns vídeos não tinham a legenda informando expressamente de que sou uma atriz e que as personagens são fictícias, solicitei aos meus contratantes, os quais não haviam colocado tais legendas, que retirassem os vídeos do ar imediatamente.”

Fonte: G1

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