O atropelamento e morte de dois adolescentes na Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, no último sábado (31), gerou indignação após a Justiça paulista soltar o motorista Sérgio Roberto de Paula, de 53 anos, autor do crime.
Segundo o 1° boletim de ocorrência do caso, Sérgio de Paula dirigia embriagado na manhã do acidente trágico, após ter passado parte da madrugada de sexta (30) para sábado (31) numa festa na quadra da escola de samba Rosas de Ouro, na Freguesia do Ó.
Na delegacia, entretanto, o motorista alegou que saiu para trabalhar, dormiu no volante e acordou no momento do acidente. Ele foi submetido ao teste de bafômetro, que atestou presença de álcool no sangue mais do que o máximo permitido pela lei.
Na audiência de custódia, o juiz Márcio Lucio Falavigna Sauandag homologou a prisão em flagrante, mas concedeu liberdade provisória ao motorista, mesmo admitindo a gravidade do crime.
Segundo manifestação do juiz, documento ao qual o g1 teve acesso, a soltura de Sérgio de Paula foi um “voto de confiança conferido pelo Poder Judiciário, esperando que, com a oportunidade conferida de responder ao processo em liberdade, sejam cumpridas as cautelares impostas, com a manutenção da vinculação ao processo (comparecimento e endereço atualizado) e o distanciamento de práticas ilícitas”.
No momento da análise do juiz, os dois adolescentes ainda estavam internados. Eles morreram poucos dias depois.
Por causa disso, o delegado do 72° Distrito Policial da Vila Penteado registrou o boletim de ocorrência como um caso de crime de lesão corporal culposa e e direção alcoolizada ao volante, e não como homicídio.
O magistrado de plantão considerou na decisão que o motorista, apesar de embriagado, “é absolutamente primário, sem nódoas no passado e há indicação de vínculo com a comarca (os próprios genitores das vítimas informam conhecer o averiguado)”.
O advogado do acusado também citou o fato de Sérgio de Paula ter acionado 190 e esperado os policiais chegarem ao local no momento do acidente.
“O crime não foi cometido mediante violência ou grave ameaça e, apesar da lesividade moral e considerável gravidade do crime de trânsito em questão (podendo levar a resultados trágicos), apresenta menor repercussão jurídica”, escreveu Márcio Lucio Falavigna na sentença.
Embora tenha concedido a soltura, o juiz destacou na sentença que dirigir alcoolizado “é fato sério e reprovável” aos olhos da Justiça e da sociedade.
Pressupostos da lei penal
Porém, ao analisar os pressupostos da lei para manter uma pessoa detida no sistema prisional, o Código de Processo Penal (CPP) observa os seguintes requisitos, destacados pelo magistrado na sentença:
“Para a decretação da custódia cautelar, a lei processual exige a reunião de, pelo menos, três requisitos: dois fixos e um variável. Os primeiros são a prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. O outro pressuposto pode ser a tutela da ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal ou a garantia da aplicação da lei penal, demonstrando-se o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (receio de perigo) e a existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (CPP, art. 312, caput e § 2º c/c art. 315, § 2º)”, escreveu o juiz.
“Todavia, ressalta-se que as medidas diversas da prisão, aplicáveis na hipótese, devem ser restritivas o bastante para eficazmente garantir a instrução processual e a aplicação da lei penal, bem assim para impedir que a liberdade provisória concedida sirva a difundir falsa sensação de impunidade”, completou.
Ao decidir pela soltura do motorista, o juiz determinou algumas medidas cautelares como a suspensão da carteira de habilitação dele para que novos crimes não sejam cometidos, além do comparecimento mensal ao juízo por ao menos 12 meses, proibição de dirigir também pelo prazo de 12 meses e proibição de ausentar-se da cidade.
Morte dos dois jovens
Heros Alcondas Abreu, de 15 anos, e Kaique Peres Santana, de 16 anos, estavam internados desde sábado (31). O primeiro na Santa Casa de São Paulo, no Centro da capital paulista, o segundo no Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, pra onde tinha sido encaminhado pelo Helicóptero Águia, da Polícia Militar, no dia do resgate.
Na madrugada da terça-feira (3) – dois dias depois da soltura do motorista bêbado – o pai de Heros, Lucas Gomes de Abreu, compareceu ao 2° Distrito Policial do Bom Retiro, no Centro de SP, registrando oficialmente a morte do menino de 15 anos.
Conforme determina a lei, foi feita uma 2ª edição do boletim de ocorrência, acrescentando ao caso o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor [artigo 302 do Código Brasileiro de Trânsito (CTB)].
Apesar da morte de Kaique ter sido também na manhã da terça-feira (3), até a tarde desta quarta-feira (4) ainda não havia sido incluída no inquérito da Polícia Civil sobre o crime. O menino vai ser sepultado no Cemitério da Cachoeirinha, na Zona Norte, na tarde desta quinta (5).
Ministério Público pede reavaliação
Diante das mortes e da repercussão do crime, o Ministério Público já pediu nesta quarta-feira (4) para que o caso seja remetido para o Foro Criminal da Barra Funda, para ser reexaminado.
“Sérgio de Paula se submeteu ao teste de etilômetro que confirmou sua embriaguez (0,36 mg/l: extrato de etilômetro fls.36) e consequente alteração da capacidade psicomotora. Ele foi detido em flagrante delito. Os pedestres atropelados foram socorridos, mas posteriormente não resistiram aos ferimentos e faleceram”, observou o promotor Marcelo Otávio Médici.
Segundo o MP, caso a Justiça decida pela transferência do caso para o Foro Criminal, um novo promotor assume o caso e decide se denuncia ou não o motorista pelo crime, pedindo ou não nova prisão do acusado.
Fonte: G1