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Entre a fila do SUS e a vida: ferramenta exclusiva revela que espera para consultas pode levar dois anos; veja como pesquisar

Um ferramenta exclusiva desenvolvida pelo GLOBO com base em dados do Ministério da Saúde revela que o tempo na fila no Sistema Único de Saúde (SUS) bateu recorde em 2024 — a espera para ser atendido por um médico pode levar até dois anos enquanto a de uma cirurgia chega 634 dias.

O buscador inédito mostra que o tempo médio da fila do SUS, considerando consultas de todas as especialidades, alcançou um patamar histórico em 2024, com uma média de 57 dias de espera. No caso das cirurgias, o prazo médio foi de 52 dias, mas há casos que superaram esse período.

Uma consulta com um especialista em genética no SUS em Mato Grosso, por exemplo, levou, em média, dois anos em 2024. Já o tempo de espera para uma cirurgia reparadora em Rondônia foi de um ano e nove meses.

Esses dados não são divulgados nem atualizados com frequência pelo Ministério da Saúde. Ao todo, 13 das 27 secretarias estaduais não preenchem ou preenchem de forma parcial informações sobre os pacientes que estão nas filas de atendimento. Além disso, 10 capitais, incluindo São Paulo e Belo Horizonte, têm sistemas próprios, que não estão integrados ao federal. Essa radiografia só foi possível ser feita pela reportagem do GLOBO por meio da Lei de Acesso a Informações (LAI).

O Ministério da Saúde, que tem como prioridade a redução no tempo de espera de consultas, exames e cirurgias no SUS, admite a falta de controle e tem buscado organizar e padronizar as informações. Após questionamento da reportagem, a pasta publicou uma portaria em 10 de março que prevê a criação de um novo sistema, o E-SUS Regulação, para substituir o atual.

A portaria também torna obrigatório o envio de informações sobre fila de espera ao ministério de maneira periódica. Pela norma, todas as solicitações deverão ser enviadas para a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), plataforma utilizada pela pasta que permite a integração de dados de saúde. Secretarias estaduais e municipais poderão optar por enviar essas informações via E-SUS.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que tem adotado iniciativas que já ajudaram a reduzir filas e, no ano passado, “registrou recorde histórico” de cirurgias eletivas. “Foram mais de 14 milhões de procedimentos realizados, um crescimento de 37% em relação a 2022”, diz a nota.

A pasta também informou que a decisão de se criar o novo sistema ocorreu “diante das falhas apresentadas pelo Sisreg”. “O envio de dados periodicamente por parte dos gestores locais será obrigatório, independente do sistema utilizado pelos estados e municípios. Em até 30 dias, o plano operacional será definido conjuntamente pelos três entes”, diz.

Impacto real
“Se tivesse feito a cirurgia no tempo certo, não teria sido mutilada”, lamenta a cabeleireira Lígia Miranda, de 54 anos, que precisou retirar uma das mamas após ter um tumor diagnosticado em junho de 2022. Foram dois anos e dois meses — e uma sucessão de filas — no Sistema Único de Saúde (SUS) até que ela conseguisse realizar o procedimento, em um hospital de Brasília. A longa espera pelo tratamento na capital do país reflete um dos principais gargalos na rede pública.

A fila para a cirurgia, porém, é apenas uma das que Lígia tem enfrentado no seu tratamento contra o câncer de mama no SUS. Ela precisou voltar para a espera após a retirada do tumor para receber os medicamentos que destroem as células doentes. Desde dezembro, aguarda para iniciar a radioterapia.

— Fiquei muito tempo na fila esperando. Depois que eu fiz a cirurgia, eu precisaria fazer a quimioterapia em até três meses para matar o câncer de vez, mas eu fui chamada só sete meses depois. Aí o médico disse que, como havia passado muito tempo, seria melhor fazer radioterapia — disse Lígia.

A aposentada Vera Lúcia Gentil, de 61 anos, moradora do Riacho Fundo, na região administrativa de Brasília, também vive um drama na fila do SUS. Ela descobriu um tumor no cérebro em abril do ano passado após uma enfermeira levantar a suspeita durante uma consulta de rotina em uma unidade de saúde da família. A indicação era que ela realizasse uma tomografia, exame que no ano passado o tempo médio de espera foi de 34 dias. Aflita, a aposentada decidiu não aguardar e pagou do próprio bolso em um laboratório particular.

Com os resultados em mãos, Vera buscou o SUS novamente para se consultar com um neurologista, que por sua vez encaminhou o caso para um neurocirurgião. Foram sete meses neste processo até que ela fosse finalmente atendida e, só então, entrasse em outra fila, desta vez para a retirada do tumor, em novembro.

— Falaram que tinha caso mais grave que o meu, que tinha pacientes na fila que já estavam cegos. A sensação é péssima. A gente fica angustiada, porque primeiro foi o susto descobrir o tumor. Tem uma coisa dentro da minha cabeça e eu sinto dores diárias. Não durmo bem, não como bem, não vivo bem. A sensação que a gente tem é que não estão nem aí para a gente. É angustiante — contou Vera.

Os dados mostram que, em casos de cirurgia oncológica, o tempo médio de espera de um paciente pode chegar a 188 dias, ou seja, mais de seis meses. O prazo descumpre o estabelecido em uma lei federal aprovada em 2012, que dá 60 dias para que pacientes diagnosticados com câncer tenham o tratamento iniciado. A legislação prevê penalidades administrativas a gestores responsáveis pela demora.

Fonte: FANTÁSTICO