Isolamento social pode aliviar sintomas de ansiedade e depressão, mostra estudo

Assim como outras espécies sociais, os seres humanos se desenvolvem essencialmente por meio da convivência e das trocas sociais ao longo da vida. Então, muito se fala sobre os riscos da solidão para a saúde física e mental. Mas será que a socialização é mesmo sempre tão necessária e positiva?

Quem vive com alguns tipos de transtornos de ansiedade, frequentemente, enfrenta desafios intensos nas relações interpessoais. É comum essas pessoas relatarem uma sensação de alívio na diminuição do convívio com outras, ou até mesmo no isolamento completo. Mas, afinal, até que ponto esse desejo de evitar o contato social é saudável, ou deve ser combatido?

Para entender esse mecanismo psicossocial e desenvolver intervenções mais eficazes, é essencial compreender as bases neurobiológicas das interações sociais. Esse é um dos focos do nosso grupo, no Laboratório de Neurociência Comportamental do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Modelos animais de ansiedade e depressão
Ansiedade e depressão estão entre os transtornos mentais mais prevalentes no mundo e frequentemente aparecem caminhando lado a lado na vida dos indivíduos afetados. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a ansiedade se caracteriza pelo medo excessivo, preocupação constante e comportamentos de esquiva diante de ameaças, muitas vezes infundadas.

Já a depressão, manifesta-se por um estado de tristeza persistente, vazio ou irritabilidade, além da perda de interesse em atividades antes prazerosas. Ambos os transtornos causam comprometimento funcional significativo.

Algumas pessoas têm uma especial predisposição à ansiedade, conhecida como “ansiedade-traço”. Essa característica influencia a forma como enfrentam o estresse, aumenta a vulnerabilidade à depressão e afeta resposta ao tratamento.

No entanto, ela tem sido frequentemente negligenciada em modelos animais usados para estudar transtornos ansiosos. Essa lacuna é preocupante, especialmente quando esses modelos são aplicados na triagem de fármacos e na investigação dos mecanismos neurobiológicos da ansiedade.

Portanto, há mais de 16 anos, nosso grupo desenvolve linhagens de ratos geneticamente modificados com perfis distintos de ansiedade, visando criar modelos robustos e confiáveis que permitam a translação de achados laboratoriais para contextos pré-clínicos e, futuramente, clínicos.

Atualmente na 48ª geração, os ratos Cariocas com Alto Congelamento (CHF) e Cariocas com Baixo Congelamento (CLF) receberam esses nomes em referência à cidade onde foram desenvolvidos e quanto à principal característica que os distingue: a resposta de congelamento ao medo, um marcador clássico da ansiedade em animais.

Essas linhagens apresentam diferenças consistentes no comportamento, assim como em aspectos farmacológicos, fisiológicos e neurobiológicos, se consolidando como modelos exemplares no estudo dos transtornos de ansiedade generalizada e ansiedade-traço.

O que os resultados apontam?
Em estudos recentes do nosso grupo, testamos a reação de ratos com diferentes níveis de ansiedade para entender como o isolamento social afeta o comportamento deles. Por 14 dias, colocamos ratos muito ansiosos, pouco ansiosos e comuns em gaiolas sozinhos, ou em grupos com outros iguais a eles. No 15º dia, todos passaram por um teste de “natação forçada”, onde observamos por quanto tempo eles tentam nadar para sair da bacia. Quanto mais rápido o rato desiste, é um sinal de maior comportamento depressivo.

Assim, vimos que o isolamento social piora o estado emocional dos ratos comuns ou pouco ansiosos, mas aqueles mais ansiosos tiveram uma melhora significativa. Estes passaram a demorar mais tempo a desistir de nadar, parecendo menos deprimidos. Uma possível explicação para esse comportamento é que, como compartilhavam gaiolas com seus familiares, o convívio com outros ratos igualmente ansiosos tenha causado um ambiente de estresse compartilhado. Então, quando eles ficaram sozinhos, se sentiram melhor.

Uma revisão recente da literatura científica, conduzida por nossa equipe, confirma o que nossos estudos têm observado: o isolamento social pode, de fato, proporcionar alívio temporário ao estresse social. Em alguns casos, ele funciona como estratégia de enfrentamento para aliviar a sobrecarga emocional. No entanto, é preciso cautela.

O melhor caminho: relações saudáveis
Embora pessoas ansiosas possam se beneficiar de uma certa distância social, o isolamento excessivo não é uma solução saudável a longo prazo. Relações sociais de qualidade têm um papel protetor crucial, promovendo autoestima, senso de pertencimento e regulação emocional. Quando esses vínculos são fragilizados — por fatores internos ou externos — aumenta-se a vulnerabilidade ou o agravamento de transtornos psíquicos.

Evidências indicam que o isolamento social eleva os níveis de cortisol, hormônio do estresse, e reduz a produção de dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, motivação e recompensa. Essas alterações no sistema de recompensa do cérebro podem reduzir o interesse por interações sociais, agravando o desejo de afastamento.

Assim, o isolamento prolongado compromete a capacidade de obter satisfação nos vínculos, alimentando um ciclo persistente de ansiedade e depressão.

Portanto, o isolamento pode aliviar temporariamente, mas não resolve o problema. A verdadeira recuperação passa pela reconexão — consigo mesmo, com o outro e com o mundo. É preciso avaliar cada caso individualmente, considerando o contexto clínico e a história de vida do paciente, mas as intervenções clínicas devem priorizar a promoção de vínculos sociais saudáveis.

O tratamento mais eficaz integra técnicas de regulação emocional, desenvolvimento de habilidades sociais, treino de flexibilidade cognitiva e, quando necessário, a combinação de abordagens psicológicas e medicamentosas.

Acreditamos que os estudos desenvolvidos por nossa equipe — com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — trazem contribuições valiosas para a prática clínica e para a construção de caminhos mais eficazes no enfrentamento da ansiedade e depressão.

J. Landeira Fernandez recebe financiamento da FAPERJ, CNPq e CAPES

Amanda Peçanha recebe financiamentos da FAPERJ, CNPq e CAPES.

Thomas Eichenberg Krahe recebe financiamentos da FAPERJ, CNPq e CAPES.

Fonte: r7

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