Juiz de Guarulhos é acusado de violência física, sexual e psicológica e proibido de se aproximar da mulher

A mulher do juiz Valmir Maurici Júnior, da 5ª Vara Cível de Guarulhos, na Grande São Paulo, acusa o marido de violência física, sexual e psicológica. O g1 obteve vídeos que mostram as agressões, ocorridas na casa em que os dois moravam, em Caraguatatuba, no Litoral Norte de SP.

A vítima e Maurici Júnior se casaram em 2021. A mulher, de 30 anos, diz que saiu de casa em 23 de novembro; o casal está em processo de separação. A violência começou depois dos seis primeiros meses de relação, segundo a defesa dela.

Em janeiro, ela obteve medida protetiva na Justiça, com base na lei Maria da Penha, que proíbe o juiz de se aproximar e de manter contato com a mulher e com pais e familiares dela. Na mesma decisão, Maurici Júnior, 42 anos, também foi obrigado a entregar a arma a que tem direito por ser magistrado.

O Ministério Público de São Paulo abriu investigação sobre o caso.

O g1 apurou que o MP trata “os fatos noticiados” como “gravíssimos” e que o juiz “demonstrou comportamento violento, manipulador, desviado, e que potencialmente colocaria em risco” a integridade da vítima e dos seus parentes. No mesmo parecer, o MP trata a mulher como “vítima” e o juiz, como “investigado”.

O procedimento está no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, órgão responsável por casos do tipo de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura.

A defesa do juiz nega “veementemente os fatos que lhe são imputados ” (veja resposta na íntegra mais abaixo). O g1 procurou Maurici Júnior por meio de mensagem no celular, mas não obteve resposta.

Relação
Em entrevista ao repórter Giovani Grizotti no dia 27 de dezembro, a vítima conta que conheceu o juiz em outubro de 2020, quando, segundo ela, ele vivia em Santa Catarina e ela, no interior de São Paulo. Em dezembro de 2021 ela se mudou para Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, para morar com Maurici Júnior.

“Eu conheci ele quando ele me mandou uma mensagem pelas redes sociais e me convidou para jantar. Na época, ele morava em Santa Catarina. Eu ficava muito com ele em Santa Catarina. E ele era uma pessoa encantadora. Parecia um príncipe (…) eu fiquei muito apaixonada”, disse.

A relação dos dois, conta, começou a ficar violenta aos poucos, e ela não queria o fim da relação:

“Ele sempre falou do sexo com força, mas eu não entendia o que era isso. Eu sofri todo tipo de violência com ele. Violência sexual, moral, física, psicológica. Ele usava de vários mecanismos para me deixar confusa. Ele falava: é só dar um tapa. Eu consegui perceber que saiu do contexto sexual quando eu tava na cozinha, fazendo alguma coisa, ele me dava um tapa na cara, puxava meu cabelo”, afirmou.
Registros no cofre
Ela afirma que não tinha provas da violência. Foi então que ela colocou o celular no quarto, na direção da cama, para tentar flagrar agressões. A mulher conseguiu filmar um tapa dado nela pelo juiz enquanto os dois estavam deitados na cama. Também registrou xingamentos e empurrões, quando ela estava na frente dele perto da porta do quarto. Ambos os registros são de 2 de outubro de 2022, de acordo com ela (veja no vídeo acima).

Ao sair de casa, ela levou consigo um cofre que, segundo ela, Maurici Júnior mantinha no escritório da casa. Dentro, havia, entre outros arquivos, um vídeo aparentemente filmado pelo próprio juiz. Segundo a vítima, o vídeo foi gravado em 10 de abril de 2022.

O g1 teve acesso ao vídeo, que mostra os dois durante uma aparente relação sexual em que a vítima aparece deitada sobre uma cama, de costas, e com os pés e mãos amarrados. Na cama, ao lado da vítima, há uma folha de papel com itens que o juiz vai riscando aos poucos — segundo a mulher, são os motivos pelos quais, para ele, ela deveria ser castigada. É possível ouvir a voz de Maurici Júnior, que dá tapas nas nádegas da vítima com uma palmatória.

Há, então, o seguinte diálogo:

Valmir Maurici Júnior: “Você se faz de cretina como meio de vitimização… você quer parar? Tá chorando?

Vítima: ela sinaliza que não com a cabeça: “Não tem dor no corpo”, diz.

Valmir: “Dor no que?”

Vítima: “Na alma”.

Valmir: “Mas a gente tá fazendo o corpo doer pra alma sarar”.

No final da gravação, ele pergunta se a mulher gostaria de ser “penetrada”, e ela mexe a cabeça em sinal de positivo.

Em entrevista, a vítima disse que não consentia com relações assim e que não tinha opção:

“Na verdade, eu nunca consenti com aquelas coisas. Eu não tinha opção. Então, a violência eu nunca consenti com nenhuma violência. Mas eu era casada”, disse a mulher. Ela afirmou ter ficado dois dias de cama depois da cena. E que “não tinha nada de fetiche” na situação.

O fato de a mulher ter levado o cofre da casa do casal fez Valmir Maurici Júnior acusar a esposa de furto qualificado — um inquérito a respeito está em andamento na Delegacia de Caraguatatuba. O advogado Luciano Katarinhuk, que defende a mulher, diz que a casa era dela também, porque ambos viviam juntos, e que não houve furto. O material do cofre foi encaminhado para perícia pelo Ministério Público.

Na investigação de furto qualificado que corre na Delegacia de Caraguatatuba, a Polícia Civil de São Paulo chegou a apreender um notebook com o material na casa onde a esposa vive atualmente. Mas, em janeiro, o Tribunal de Justiça determinou que a Polícia Civil entregasse o material para o Ministério Público — que abriu procedimento investigativo contra o juiz.

A vítima conta que tentou manter o casamento, mas foi entrando em desespero e chegou a tentar suicídio:

“Passava pela minha cabeça: por que eu to passando por isso? (…) Por que ele faz isso comigo? Eu tinha vergonha. Eu só queria manter meu casamento. Não queria ser julgada socialmente pelas pessoas. Eu só queria que aquilo acabasse logo. Era horrível. Um sentimento de culpa muito grande. De acreditar que de certa forma eu merecia aquilo. Eu cheguei a tentar suicídio.”

Ela dizia se sentir culpada na relação e que era humilhada pelo juiz:

“Eu queria morrer. As acusações eram muito grandes, sabe? Nunca ele estava errado. Era sempre a minha culpa. Do jeito que ele falava, do jeito que me humilhava, me chamava de burra, de fraca, que era patética. Intelectualmente ele destruía. E eu não aguentava, porque isso era todos os dias”, afirmou.
‘Pessoas influentes e poderosas’
Ela disse que, ao sinalizar ao marido que o denunciaria, ele a intimidou mencionando a própria rede de contatos:

“Ele falava: pode ir pra polícia. Leve seus vídeos. Quando você chegar na delegacia, eu vou ser avisado. Porque eu sou um juiz, e você é só mais uma mulher louca. Não vai acontecer nada comigo. Eu nunca vou preso, eu tenho os amigos certos, pessoas influentes e poderosas. Você só vai passar vergonha, você vai ser ridicularizada”.
Além de magistrado do Tribunal de Justiça, Maurici Júnior foi professor do curso de juiz de direito no cursinho Complexo de Ensino Renato Saraiva (Cers). Diante da denúncia exclusiva revelada pelo g1, o Cers disse que que “repudia qualquer ato de violência contra a mulher”.

A mulher vive longe de São Paulo atualmente. Em razão da medida protetiva, Valmir Maurici Júnior não pode manter contato com ela, com os pais dela e com familiares, nem se aproximar deles. Ela teve episódios de depressão, ansiedade e, em dezembro, chegou a ser internada com quadro psicótico, de acordo com laudos médicos a que o g1 teve acesso.

Fonte: G1

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