Uma das quatro mulheres que denunciaram ter sido estupradas durante uma seleção para a vaga de agente de proteção numa empresa terceirizada do Aeroporto do Recife disse, em entrevista exclusiva à TV Globo, que o recrutador, depois de mostrar que tinha uma arma no pênis, mandou ela colocar um canivete entre os seios e baixou a calça da vítima antes de abusá-la sexualmente. O ato teria sido realizado sob o pretexto de simular uma revista íntima para identificação de drogas em passageiras.
“Ele disse: ‘Posicione seus joelhos no banco e fique de costas para mim’. Então, posicionei os joelhos no banco e fiquei de costas pra ele. Ele disse: ‘É dessa forma que você tem que procurar a droga nas partes íntimas da mulher’. E ele, literalmente, baixou minha calça. Eu não tive reação, não sabia o que fazer naquele momento. Eu fiquei congelada. Eu entrei em choque. Eu sabia que ele tinha me mostrado uma arma, tinha um canivete ali, naquele local, a porta estava trancada. Quando ele baixou a minha calça, foi muito rápido. Minha calça era folgada, então ele ‘ingeriu’ o dedo na minha parte íntima, me molestou totalmente, abusou com os dedos”, contou a mulher.
“Não tive como me defender porque não tive ação. Na minha cabeça, eu queria morrer. Naquele momento, eu me senti vulnerável, incapaz de fazer qualquer coisa”, declarou.
A mulher disse ainda que, após baixar a calça e tocar nas partes íntimas dela, o homem a puxou pelo braço e empurrou numa mesa. “Levantou minhas pernas e continuou mexendo em mim. Eu não sentia nada, eu só sentia raiva, eu só sentia medo e nojo”, afirmou.
O crime teria sido praticado no dia 29 de junho. Ela disse que soube da vaga no grupo de WhatsApp de um curso de agente de proteção de aviação civil que fez recentemente e, poucos minutos depois de mandar o currículo, foi chamada por uma funcionária do RH da empresa GPS Predial Sistemas de Segurança Ltda. para a entrevista.
Ao chegar no aeroporto, ela e as outras mulheres que também participariam da seleção foram informadas de que o homem iria entrevistá-las.
“Ele foi e levou a gente para uma sala que também só tinha a gente no local. Aí, aos poucos, foi chamando. Ele chamou a primeira menina, a gente notou que foi muito demorada a entrevista dela. Ela entrou às 14h02 e a gente reparou que ela tinha saído por volta das 15h25. Quando ela saiu de lá de dentro, a gente reparou que ela estava com a fisionomia assustada. Ela estava pálida, literalmente, pálida”, afirmou.
A mulher contou que foi chamada assim que a primeira candidata saiu. Quando entrou na sala, o homem teria perguntado se ela era amiga das outras candidatas, que, segundo ele, teriam “um peixe grande” no aeroporto.
‘Você não detectou a arma que está no meu pênis’
De acordo com a denunciante, depois de fazer as primeiras perguntas, o selecionador deu à candidata um detector de metais, trancou a porta da sala e mandou ela fazer um procedimento nele.
“Tinha acabado de finalizar o curso, sabia como era feito aquele procedimento, mas ele disse que estava errado e não era daquela forma. Então, ele pegou e disse: ‘Olha, você não detectou a arma que está no meu pênis’. Ele falou assim e puxou um revólver que, realmente, quando passou o DM (detector de metais), apitou, mas eu não tinha visto porque ele tinha colocado muito na parte [da] genitália dele”, contou a mulher na entrevista.
Segundo ela, o homem repetiu que a forma como a abordagem foi conduzida estava “errada” e disse que ia ensinar “como é que faz” uma “busca manual”, ordenando que ela colocasse um clipe de papel e um canivete entre os seios.
“Ele pegou as mãos dele e colocou nos meus seios por dentro do sutiã e apalpou os meus seios e levantou o meu sutiã invertido, dizendo assim: ‘Olha, tá vendo que, se eu não tivesse passado a mão, não saberia que isso daqui é um clipe?'”, relatou.
Ameaças após os abusos
A mulher contou também que, após soltá-la, o homem disse que o que tinha acontecido na sala teria que ficar em sigilo. “Tem que ficar aqui porque é profissional”, teria dito o suspeito, falando, mais de uma vez, que a vítima não dissesse nada a ninguém.
“Ele pegou meu currículo e disse: ‘Eu sei onde você mora, eu tenho até o seu número aqui. Inclusive, vou agora mesmo adicionar ele na minha agenda telefônica. Então, ele abriu a porta. Mais uma vez, lá fora, ele disse: ‘Eu espero que o que aconteceu fique aqui'”, contou a mulher, explicando que só pensou em sair do aeroporto o mais rápido possível.
“Quando eu cheguei em casa, foi quando eu pensei em tudo que tinha acontecido e contei para minha família. Lá a gente chorou, eles me deram todo o apoio e eu liguei para as meninas. Eu disse: ‘Olha, como foi a entrevista de vocês?’ Foi quando elas disseram que também tinham sido abusadas por ele”, contou a candidata.
A vítima disse ainda que, no mesmo dia 29 de junho, foi à Delegacia da Mulher junto com a família para registrar queixa, mas, ao chegar à delegacia especializada, recebeu uma explicação de que a unidade não poderia registrar a ocorrência porque não se tratava de um caso “de âmbito familiar” e que ela deveria ir a uma outra delegacia.
Por esse motivo, a mulher se dirigiu à Delegacia de Boa Viagem, onde conseguiu fazer o boletim de ocorrência. As demais vítimas foram direto para a unidade, depois de serem orientadas por ela por telefone.
Sonho desmoronou
Durante a entrevista à TV Globo, a mulher disse que tinha o sonho de trabalhar no aeroporto, numa atividade relacionada à aviação, e que essa seria sua primeira oportunidade.
“Dentro de mim tá devastado, tá destruído. Foi um sonho que eu tinha de trabalhar no aeroporto que foi destruído, foi por água abaixo, literalmente se tornou um pesadelo. […] Minha ficha ainda não caiu 100%. Eu já chorei muito, a minha família já chorou muito”, lamentou a vítima.
Ela disse esperar que, se houver mais vítimas, elas denunciem o suspeito. “Esse tipo de coisa não pode ser aceita. Nenhum homem pode tocar em você sem a sua autorização. Nenhum homem pode te fazer sentir desse jeito que eu me senti”, contou.
A vítima disse ainda que ficou alarmada quando soube que o suspeito havia sido detido para prestar esclarecimentos e depois liberado. “Eu pensei: meu Deus! Eu passei por tudo isso que eu passei e vai ficar assim? Ninguém vai fazer nada? Ninguém vai me proteger, ninguém vai me ajudar?”.
O que diz a Polícia Civil
Procurada pelo g1, a Polícia Civil de Pernambuco informou que “preza pelo acolhimento e melhor atendimento em todas as suas unidades”.
A corporação disse ainda que “a denúncia está sendo apurada e, constatado o erro, todas as medidas cabíveis serão tomadas”.
Resposta do aeroporto
O g1 procurou a Aena Brasil, responsável pela gestão do Aeroporto Internacional do Recife , que se manifestou sobre o caso, por meio de nota, na terça (4).
No texto, a empresa disse que, em 30 de junho, tomou conhecimento do caso, “envolvendo um funcionário da GPS Predial Sistemas de Segurança Ltda., contratada para a vigilância do terminal” e que repudia qualquer “gesto de violência ou assédio”.
Disse ainda que:
“Foi relatado que os fatos aconteceram durante um suposto processo de recrutamento de agentes de segurança, executado por funcionário da empresa, no escritório administrativo da GPS, localizado num terminal de cargas do aeroporto”;
Assim que tomou conhecimento do caso, a Aena exigiu o afastamento imediato do denunciado;
As câmeras de segurança do aeroporto não captam imagens dos escritórios privados das empresas em suas dependências; mas imagens captadas na entrada do terminal de carga estão à disposição das autoridades;
A empresa está colaborando “para que o caso seja elucidado o mais rápido possível”.
Resposta da GPS
A empresa GPS Sistemas de Segurança Ltda. enviou nota para a TV Globo, informando que, “após tomar conhecimento das denúncias, tomou as medidas necessárias, incluindo o desligamento do funcionário envolvido”.
A empresa disse também que “lamenta profundamente o ocorrido e reforça que não compactua com qualquer tipo de violência ou conduta desrespeitosa que contrariem os valores contidos em seu código de conduta e ética. A empresa está colaborando com as autoridades na apuração dos fatos”.
Fonte: G1