‘Não roubei nada’, diz menino negro de 7 anos acusado injustamente por gerente de loja de comer bolachas sem pagar

“Não roubei nada”, diz constrangido um menino negro, de 7 anos, acusado injustamente pelo gerente de uma loja de doces da Zona Leste de São Paulo de comer um pacote de bolachas sem pagar.

A declaração do garoto foi gravada pela mãe dele. O diálogo e as imagens dos dois aparecem num vídeo que viralizou nas redes sociais nesta semana. Outras filmagens, essas de câmeras de segurança sem som ambiente, mostram como o funcionário abordou a criança e seus pais, pretos também. Todos estavam na fila do caixa da Magic Doces em Cidade Tiradentes (veja acima).

O caso ocorreu na última quinta-feira (22). O funcionário acusou o menino de roubo e, segundo a família, falou que o crime foi visto por câmeras da empresa. No entanto, nenhuma imagem registrou isso, segundo a própria loja admitiu depois, por meio de nota.

A comerciante Giovanna Santos de Oliveira Brasil, de 25 anos, mãe do menino, denuncia o gerente por racismo. O nome dele não foi divulgado pela empresa. A mulher procurou a Polícia Civil, que, no entanto, registrou a ocorrência somente como “calúnia” no 44º Distrito Policial (DP), Guaianazes.

Questionada pelo g1 e pela TV Globo, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a polícia vai analisar os vídeos e que, no decorrer da investigação, o crime a ser apurado pode mudar.

“O caso citado foi registrado no 44° DP e é investigado pelo 54° Distrito Policial (Cidade Tiradentes), responsável pela área. A autoridade policial vai ouvir os envolvidos e analisa as imagens, visando esclarecer as circunstâncias do ocorrido. Cabe ressaltar que a tipificação inicial do boletim de ocorrência não é definitiva, e pode ser alterada ao decorrer das investigações”, informa a pasta da SSP.

A conversa entre o menino, que não será identificado nesta reportagem, e a mãe, que chora na gravação, foi compartilhada no Instagram e no Tik Tok.

“O gerente disse: ‘A gente viu pelas câmeras seu filho pegando as bolachas, comendo e escondendo o pacote vazio atrás das prateleiras'”, falou Giovanna sobre o que, segundo ela, ouviu do funcionário da Magic Doces.

Depois disso, ela falou que pegou o celular e começou a gravar. “Sofremos constrangimento e racismo. Nós nunca passamos por isso na vida. Olhar racista a gente sofre, mas de chegar nesse ponto de ser abordado na frente de todo mundo jamais tinha ocorrido. Se ele tivesse tido bom senso de chegar na gente de cantinho… mas ele já chegou acusando.”

O objetivo da mãe do menino em registrar o que ocorreu foi o de denunciar a “desconfiança embasada exclusivamente na questão racial”, nas palavras do seu advogado, José Luiz de Oliveira Júnior. Ele falou à reportagem que pretende procurar a Delegacia de Crimes de Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) para investigar o caso mais profundamente.

“É uma delegacia especializada em apurar crimes raciais”, falou José Luiz. Segundo ele, o escritório de advocacia Oliveira Jr & Santos Advogados estuda entrar ainda com uma ação de indenização por danos morais contra a Magic Doces. “A empresa é responsável por ter funcionários assim. A solução para isso passa por punições para quem comete o racismo por meio da Justiça.”

Loja reconhece erro

O garoto, sua mãe e o pai dele, o vendedor ambulante Diego Brasil dos Santos, de 29 anos, tinham acabado de ser abordados pelo funcionário da loja, um homem branco, na fila do caixa. O filho do casal foi apontado como suspeito de roubo na frente de outros clientes e funcionários, todos brancos.

A família havia comprado mais de R$ 500 em doces. O menino fez aniversário dois dias antes, e os pais prometeram uma festa com guloseimas para comemorar a data no final de semana. Por isso foram à Magic Doces. “Não piso mais lá”, disse a mãe.

Depois, por meio de nota divulgada em sua rede social, a Magic Doces reconheceu que o funcionário errou ao acusar o garoto sem provas. E que apura a denúncia. A empresa ainda declarou que “não compactua, sob nenhuma circunstância, com atitudes discriminatórias ou preconceituosas”.

“Ocorreu um incidente em nossa loja envolvendo uma criança que foi abordada por um funcionário, suspeitando do consumo de um produto sem pagamento. Diante disso, revisamos as imagens de segurança e, após análise detalhada, o fato não foi constatado”, informa a Magic Doces.

Advogado nega racismo e acusação de roubo

Por telefone, o advogado Alexandre Aivazoglou, que defende os interesses da Magic Doces, encaminhou dois vídeos das câmeras de segurança da loja ao g1 e falou que as imagens mostram que a abordagem do gerente à família foi “mansa, educada”.

Ainda segundo Alexandre, “é um absurdo acusar o gerente de racista”. De acordo com o advogado, a Magic Doces “tem funcionário da pele preta. E a grande maioria dos seus clientes são negros”.

“Em nenhum momento o gerente acusou de roubo”, afirmou Alexandre. Como essa declaração do advogado é diferente da nota da Magic Doces, a reportagem o questionou sobre qual é a versão oficial da empresa. Ele então respondeu:

“Quando isso estourou nas redes sociais, a empresa quis prestar esclarecimentos e não fez o uso correto das palavras”, disse o advogado.

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