Projeto que isenta IPTU na Cracolândia pode ajudar região? Especialistas divergem

O projeto de lei da Prefeitura de São Paulo para isentar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de imóveis na Cracolândia é mais um entre as diversas iniciativas que governantes adotam para ajudar a combater o problema que se estende há anos na região.

Especialistas entrevistados pelo R7 têm opiniões diferentes acerca do projeto. Para alguns, a isenção do IPTU pode até melhorar o movimento na região, trazendo uma “opção mais barata de moradia” e melhorando o fluxo de clientes para os comerciantes. Outros, no entanto, criticam a ideia e chegam a chamá-la de “hipocrisia”, defendendo que não há um benefício para moradores e comerciantes da região se o fluxo de dependentes permanecer.

A questão entrou em pauta no plenário da Câmara de São Paulo na quarta-feira (14). O PL busca garantir a isenção de 100% do pagamento do IPTU entre os anos de 2024 e 2025, para endereços comerciais e residenciais, em trechos de seis ruas no entorno da Cracolândia. O perímetro foi definido com base na contagem diária do fluxo de dependentes químicos na área. Ao todo, 947 imóveis podem ser beneficiados.

De acordo com os cálculos da Secretaria Municipal da Fazenda, a isenção no IPTU representa cerca de R$ 9,02 milhões a menos em arrecadação para os cofres públicos nos próximos dois anos.

Daniel Diniz, engenheiro e especialista em mercado imobiliário, pontua que o caminho para a solução do problema na Cracolândia deve ir além do combate ao tráfico de drogas e o tratamento dos usuários. “Temos que pensar nos moradores, comerciantes e transeuntes do local. O incentivo vai justamente nessa direção”, diz.

Para o especialista, o dinheiro que deve deixar de ir aos cofres públicos precisa ser encarado como uma espécie de “investimento”.

“Se tratarmos só as questões do tráfico, vai parecer que estamos enxugando gelo. Precisamos que a vida tome conta do espaço urbano, gerando emprego, transmitindo cultura, trazendo a segurança de um local movimentado”, complementa.

Foco na segurança, não no imposto
Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, acredita que isentar o IPTU não vai melhorar o comércio da região, uma vez que o problema é a segurança no centro da capital, e não o pagamento do imposto.

“O grande problema dos comerciantes não é pagar o IPTU, é não ter clientes. E essa medida não vai devolver os clientes pra loja. Além disso, é preciso avaliar toda a questão do prejuízo que eles têm pessoalmente, sendo vítimas de roubo. A questão da Cracolância vai além, é segurança, é saúde pública”, pontua Tapai, que é direitor do Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor).

“Por que, por exemplo, o governo estadual não muda a sede para a Cracolândia? Ou a prefeitura traz a secretaria para a região? Não adianta você querer que o comerciante permaneça aberto só porque não paga IPTU”, disse.

Ocupação do Centro
Carlos Borges, vice-presidente de tecnologia e sustentabilidade do Secovi-SP – sindicato que representa empresas do segmento da habitação, como as incorporadoras, acredita que o projeto “é uma boa medida”, porém, deve ser atrelado a uma cadeia de iniciativas para resolver de vez o problema na região. “Eu acho que o centro tem muita infraestrutura, então precisa levar gente pra lá. Ocupar o centro é estratéfico, mas essa ideia sozinha não vai ajudar”.

Sobre os R$ 9 milhões que deixarão de ser arrecadados com o imposto, Borges afirma que o valor “é praticamente nada para uma cidade como São Paulo”.

Insegurança tomou conta da região

Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, afirmou que a isenção não está sendo proposta apenas pelo valor do imposto, mas para sinalizar à população que a prefeitura está buscando soluções para a Cracolândia.

A cada nova gestão municipal e estadual, a Cracolândia é alvo de projetos diversos para que a região perca a má fama de violência.

A última tentativa, de deslocar os usuários de drogas da região para o Complexo de Prates, localizado no Bom Retiro, próximo de um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), também não deu certo.

Diversos comerciantes, sem esperança, decidiram fechar as portas. Os que se mantêm na localidade são alvo de assaltos e baixa de clientela. “Já aconteceu de sair da minha loja, daqui do trabalho, virar duas, três esquinas e ser assaltado”, lamenta ao R7 um tatuador, que preferiu não se identificar.

O homem conta ainda que, quando faz a divulgação do seu estúdio nas redes sociais, as pessoas desanimam ao ver que o endereço fica na região da Cracolândia.

Grupos como a ACSP (Associação de Comerciantes de São Paulo) e o Sindilojas-SP engrossam o coro dos empresários sobre a insegurança na região. Os representantes dos comerciantes pedem maior intervenção do estado na área central de São Paulo para que o abandono acabe.

Novo rumo?
A possibilidade de isentar o IPTU por dois anos pode ajudar na viabilização de novos negócios na região, como empreendimentos de retrofit para locação, e deve tornar o custo de morar ou manter um varejo aberto mais atrativo, afirma o especialista Daniel Diniz.

Para o vereador Milton Leite (União), atual presidente da Câmara Municipal, essa é uma possibilidade que pode minimizar os problemas na região, mas a “Câmara vai atuar para mitigar a situação, tanto de um lado quanto para o outro: da população dependente e dos comerciantes”, afirmou.

O vereador Senival Moura (PT), líder do partido na casa, ressaltou, porém, que o projeto “não deve resolver nada”. “É enxugar gelo”, pontuou.

Já a vereadora Silva, do Psol, concorda que o projeto seja colocado em discussão, mas afirmou que provavelmente a Bancada Feminista vai dar voto contrário.

Ruas que seriam beneficiadas

  • Rua Guaianazes, do nº 111 (esquina com a rua Aurora) ao nº 231 (esquina com a rua Vitória);
  • Rua dos Gusmões, do nº 394 (esquina com a rua Santa Ifigênia) ao n º 492 (esquina com a avenida Rio Branco);
  • Rua dos Protestantes, do nº 85 (esquina com a rua dos Gusmões) ao nº 9 (esquina com a rua Vitória);
  • Rua Conselheiro Nébias, do nº 378 (esquina com a rua dos Gusmões) ao nº 290 (esquina com a rua Vitória);
  • Rua General Couto de Magalhães, do nº 306 (esquina com a rua Aurora) ao nº 203 (esquina com a rua Vitória);
  • Rua Vitória, do nº 554 (esquina com a rua Guaianazes) ao nº 644 (esquina com a rua Conselheiro Nébias).

Fonte: r7

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