Nos últimos 11 anos, o Brasil deixou de arrecadar R$ 94,4 bilhões por causa do contrabando de cigarros. Um levantamento do Instituto Ipec Inteligência, divulgado pelo FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), aponta que quatro em cada dez cigarros consumidos, em 2022, eram de origem ilegal.
Somente no ano passado, os brasileiros compraram 106,6 bilhões de unidades, sendo 41% fruto do contrabando, principalmente do Paraguai. Foram R$ 8,3 bilhões de evasão fiscal, ou seja, todo esse dinheiro poderia ser revertido para a população em formas de melhorias, de acordo com as informações da pesquisa.
Para Edson Vismona, presidente do FNCP, os principais prejuízos do comércio ilegal de cigarros no Brasil são:
- o financiamento de milícias e de organizações criminosas;
- o consumo de produto de baixa qualidade sem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária);
- o desincentivo às indústrias que pagam os impostos de forma correta;
- o Estado deixar de arrecadar bilhões de reais.
Economia do crime
Ao R7, Vismona explica que os cigarros comercializados em território nacional são produzidos em oito fábricas regularizadas no Paraguai e em três no Brasil. Os produtos entram via contrabando, ou seja, sem pagamento de impostos. Ao deixar de pagar a carga tributária, eles chegam ao mercado a um preço mais baixo.
Atualmente, no Brasil, o imposto sobre o preço do produto ao consumidor é de cerca de 70%, dependendo do ICMS em cada estado. Enquanto, no Paraguai, é de apenas 13%. Em razão desse cenário, o preço mínimo do maço de cigarro legal é de R$ 5, enquanto o valor do contrabandeado cai para R$ 3 a R$ 4.
“O ilegal tem uma vantagem competitiva imensa e atrai o consumidor que não faz uma avaliação se o produto é legal ou não. O valor baixo atrai, principalmente, o público de baixa renda, que também passa a consumir mais”, afirma o presidente do FNCP. Apesar da economia, os consumidores ficam vulneráveis a um produto de baixa qualidade sem regulamentação da Anvisa.
Queda do contrabando
Segundo o levantamento, em 2019, 57% do volume total de cigarro consumido era ilegal. Ao longo dos últimos três anos, o número foi caindo até chegar à marca de 41%, no ano passado. Vismona declara que esse cenário é um reflexo direto da pandemia de Covid-19, da alta do dólar e da queda na movimentação das estradas, que provocam o aumento do preço do cigarro ilegal no país.
“É importante um sistema fiscal e tributário que possa contribuir com o combate ao comércio de mercadorias ilícitas, já que é notório que o imposto impacta o preço final de qualquer produto. Qualquer aumento de tributo favorece o contrabando, que não paga nada”, ressalta o presidente do FNCP.
Questionado sobre o futuro, Vismona alerta que o dólar começou a entrar em declínio e pode estimular novamente o crescimento do contrabando no território nacional, que é praticado principalmente pelas facções criminosas.
Crime organizado
Além dos impactos econômicos, o cigarro ilegal está associado diretamente ao financiamento de milícias e organizações criminosas. Leonardo Ostronoff, sociólogo e pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, conta que, nos últimos anos, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho – facções que nasceram respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro – passaram a participar desse tipo de contrabando.
“Antigamente, o crime era praticado apenas por quadrilhas menores. Como se tornou muito lucrativo, as facções começaram a ingressar também. Os produtos passam com muita facilidade nas fronteiras”, afirma Ostronoff. A rota de entrada do cigarro contrabandeado, principalmente na fronteira entre o Paraná e o Paraguai, já é dominada pelo PCC, pois há anos é utilizada como meio de entrada da cocaína e outros itens ilegais no Brasil.
Esse tipo de contrabando é extremamente lucrativo para as organizações criminosas, que usam o valor arrecadado nas vendas para financiar outros negócios, como o tráfico de drogas e o armamento. O pesquisador afirma que o PCC está “em busca de novas oportunidades de mercado”, motivados por uma visão empreendedora.
Em relação ao combate ao comércio ilegal, Ostronoff alerta que os 17 mil km de fronteiras terrestres no Brasil não são o único desafio, pois há anuência de alguns membros das forças de segurança e de fiscalização com os contrabandistas. “Esse cigarro não passa pela fronteira e é distribuído pelo país sem ninguém ver”, critica.
Apreensão
No ano passado, o cigarro ilegal foi o principal produto apreendido pela Receita Federal, acima até de eletroeletrônicos, representando 27% do volume total. Nos últimos seis anos, segundo informações divulgadas pelo órgão à reportagem, 1,3 bilhão de maços foram retirados de circulação, o equivalente a R$ 6,8 bilhões.
Fonte: r7