De janeiro a junho deste ano, as denúncias de tortura contra presos mais que triplicaram em relação ao ano inteiro de 2022, de acordo com um levantamento feito a pedido do R7 pelo Núcleo de Situação Carcerária, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Segundo o órgão, nos primeiros seis meses de 2023, houve 211 registros de tortura contra pessoas privadas de liberdade. Isso representa um aumento de 245% em relação às 61 ocorrências do ano passado.
O uso de cachorros, balas-de-borracha e ameaças contra os presos, além de deixá-los sem comer, são algumas das estratégias usadas, segundo as denúncias.
Em nota, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) afirma que não tolera desvios de condutas dos servidores e que todas as denúncias são investigadas. “Caso comprovada a denúncia, o servidor é afastado e punido de acordo com a legislação”, diz a pasta.
Apesar do crescimento significativo nos números, Diego Polachini, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária, conta que há subnotificação, uma vez que nem todos os casos de tortura são denunciados.
“Muitas vezes, a tortura é naturalizada. Justamente por isso, o Supremo Tribunal Federal considera que as cadeias no Brasil estão no estado ‘inconstitucional’ da coisa, com violação massiva dos direitos fundamentais da população prisional”, afirma.
Polachini explica que as equipes da Defensoria fazem inspeções mensais nas cadeias do estado, e a partir delas são colhidas as informações sobre maus-tratos.
As denúncias também chegam ao núcleo por meio do Disk-100, programa federal que acolhe esses casos, e relatos de familiares.
Com os detalhes do ocorrido, os profissionais cadastram as queixas no sistema, e muitas delas viram processos judiciais contra a penitenciária e os agentes responsáveis pela agressão.
A reportagem teve acesso a alguns relatórios feitos pelo Núcleo de Situação Carcerária. Em uma determinada denúncia, é descrita uma entrada violenta do GIR (Grupo de Intervenção Rápida) em um “raio”, como são chamados os blocos de cada presídio. A equipe foi ao local retirar um preso, que já havia sido levado para o setor disciplinar por outros agentes.
Casos
Segundo um dos detentos do “raio” em questão, os policiais do GIR chegaram lançando spray de pimenta, obrigando os presos a tirarem toda a roupa e ficarem correndo nus de uma cela para outra.
Ainda de acordo com a denúncioa, muitos detentos foram agredidos com cassetetes e com os escudos dos policiais. Um dos presos teve até o braço deslocado. Outros passaram mal devido ao uso de spray de pimenta.
Também houve relatos de agentes do GIR jogando no chão alimentos enviados por familiares e quebrando pertences pessoais dos detentos.
Veja outras denúncias de tortura registradas pelo Núcleo de Situação Carcerária:
- Emprego de cachorros para ajudar na violência contra detentos;
- Uso de balas de borracha e cassetetes;
- Nudez obrigatória dos detentos para trocar de “raio”;
- Longos períodos, de 14 a 15 horas, sem fornecimento de comida;
- Ameaças de falta, o que impede os detentos de reduzir o tempo de pena;
· “Revista vexatória” em familiares dos detentos.
O coordenador do Núcleo de Situação Carcerária conta também que, em certos presídios do estado, a qualidade da comida é ruim, o que gera a “pena da fome”.
Algumas unidades também fazem racionamento de água e de banho quente, “o que gera uma dificuldade ao preso, principalmente nos dias frios”, comenta.
“Essa tortura é endêmica no sistema penitenciário. A cadeia já é uma tortura em si, ainda mais se a gente observar o que a lei fala: o crime de tortura prevê que é submeter alguém sob sua guarda, com violência ou grave ameaça, com agressão física e mental como forma de aplicar castigo”, ressalta o defensor.
Denúncias vêm aumentando anualmente
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O número de denúncias de tortura contra detentos tem aumentado anualmente, com 29 registros em 2020, 41 em 2021, 61 em 2022, e 211 até junho de 2023.
O que explica esses acréscimos, segundo Polachini, é, principalmente, o aumento de denúncias por parte dos familiares. Mas também existe um aumento da intensidade de tortura nos presídios nos últimos anos.
O núcleo, inclusive, tem feito pesquisas sobre esse aumento expressivo.
O órgão responsável pelas penitenciárias do estado ressalta que possui canais para o recebimento das queixas, como a Ouvidoria e a Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário. “O sigilo do denunciante é preservado”, pontua a SAP.
Veja a nota da SAP na íntegra:
“A Secretaria da Administração Penitenciária não tolera quaisquer desvios de condutas de servidores. Para toda denúncia de tortura ou ato correlato, o funcionário é investigado e, caso comprovada a denúncia, é afastado e punido de acordo com a legislação. A Pasta possui canais para recebimento de denúncias, como a Ouvidoria e a Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário e o sigilo do denunciante é preservado.
Quando ingressam na Pasta os policiais penais têm disciplina específica sobre Direitos Humanos e Ética como matéria obrigatória. Após a formação são frequentemente atualizados em cursos oferecidos nas Unidades Prisionais e em atividades de Capacitação Específicas na Escola de Administração Penitenciária”.
Fonte: r7