Nos cinco primeiros meses de 2023, o estado de São Paulo registrou o maior número de estupros desde o início da série histórica da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), em 2001. Somente entre janeiro e maio, foram 5.977 casos, ou seja, uma média de 39 ocorrências por dia.
Os dados, disponibilizados pela pasta, são dos boletins de ocorrência registrados em todo o estado. O número, de acordo com especialistas em segurança pública, pode ser até quatro vezes maior, pois esse tipo de crime é caracterizado pela subnotificação.
No domingo (25), uma vítima, de 19 anos, entrou para a estatística e foi estuprada por um homem enquanto participava de um evento universitário na Neo Química Arena, em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Um segurança da festa viu a jovem – com sinais de embriguez – sendo empurrada pelo agressor para dentro de um banheiro químico.
Os crimes sexuais vêm crescendo de forma sistemática ao longo dos anos. Nos primeiros cinco meses de 2001 – ano em que a SSP-SP começou a realizar esse tipo de levantamento – São Paulo contabilizou 1.695 casos de estupro. O recorde anterior para o mesmo período era de 2013 (5.505), seguido por 2022 (5.175) e 2019 (5.140).
Do total de casos registrados em 2023, 1.433 são de estupro e 4.544 de estupro de vulneráveis – vítimas menores de 14 anos ou pessoas com alguma condição que as impede de discernir essa violência. Isto é, a cada cinco ocorrências, em média quatro são de estupro de vulnerável, o que levanta um alerta.
O que justifica o aumento?
Para a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher, as vítimas e os responsáveis legais por elas têm procurado mais a polícia para denunciar os casos de estupro nos últimos anos. Isso acontece em razão da maior conscientização e da constante divulgação de informações sobre esses crimes sexuais e sobre como denunciá-los.
A pandemia de Covid-19, marcada pelo intenso isolamento social, também foi um período que impactou os números, pois o acesso às delegacias e aos demais serviços de denúncia e proteção foi reduzido.
Estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e de outras instituições já mostraram que o lar é um ambiente mais inseguro em comparação com a rua, pois, em muitos casos, a vítima mora ou convive com o próprio agressor – que pode ser o pai, o avô, o tio, o irmão ou o vizinho.
De acordo com a delegada, a escola é a principal fonte de informação para a polícia em relação aos casos de estupro de crianças e adolescentes. Os professores têm papel fundamental na detecção de mudanças de comportamento dos alunos. No período da pandemia, com a interrupção das aulas presenciais, houve um represamento de dados de crimes sexuais.
O aumento do número de registros pode ser atribuído ainda, segundo Ferrari, a uma modificação no Código Penal pela lei n° 13.718, de setembro de 2018. Antes dessa alteração, não havia obrigatoriedade do registro de boletim de ocorrência por estupro, ou seja, a polícia só podia agir com a autorização da vítima.
Com o decreto da lei, a ação penal de crimes contra a liberdade sexual e de crimes sexuais contra vulneráveis se tornou incondicionada: a polícia tem que agir independentemente da vontade das vítimas.
O coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, reitera que houve um crescimento no número de denúncias devido à maior discussão do tema, porém faz um alerta: “Os estupros não aumentaram na mesma velocidade na sociedade brasileira como um todo. O aumento em São Paulo foi maior do que a média nacional”.
Como combater?
Em razão desse cenário, o pesquisador afirma que é essencial a análise profunda e transparente por parte do governo estadual do perfil e da faixa etária das vítimas para a criação de políticas públicas de combate e de prevenção a esse tipo de crime.
“É necessária uma força-tarefa. O secretário [Guilherme Derrite] tem colocado muito tempo e energia, por exemplo, no enfrentamento aos crimes patrimoniais. [O índice] está se reduzindo aos poucos, e é muito significativo. Isso aconteceu porque teve uma concentração de esforços. A gente não vê nada nesse sentido em relação aos crimes de estupro”, aponta Rocha.
Um dos caminhos para combater os crimes sexuais, de acordo com o coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, é reunir as secretarias de Segurança Pública, de Saúde, de Educação e Desenvolvimento Social.
“Não vai ser só a SSP que vai conseguir identificar, punir e prevenir esses crimes e os autores. Por mais que esteja equipada e tenha mais policiais, ela nunca vai conseguir resolver [o problema] sozinha. Tem que existir uma ação coordenada. É o professor ou a professora na escola que vai identificar se a criança está com o comportamento diferente. Ou no atendimento de saúde com o médico da família”, exemplifica o pesquisador.
Saiba como denunciar
- Ligue 190 (Polícia Militar);
- Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher);
- Acesse o aplicativo Direitos Humanos Brasil;
- Registre boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher; e
- Registre denúncia na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos.
Fonte: r7