De atuação discreta na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Rinaldi Digilio (União Brasil) mergulhou numa polêmica judicial nesta segunda-feira (25), ao ignorar uma decisão que proibia o uso do Theatro Municipal para entrega de título de cidadã paulistana à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
A honraria foi entregue na noite desta segunda (25), mesmo após um recurso da Câmara Municipal ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para derrubar a liminar ter sido negado, por incompetência de foro.
Após a derrota na Justiça, Rinaldi Digilio – que é pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular – disse que bancaria ele mesmo a homenagem, pagando a diária de aluguel do teatro, que é de cerca de R$ 100 mil.
Na cerimônia, o vereador contou que teve aprovação da esposa para fazer um financiamento de R$ 100 mil e pagar a locação do espaço.
Durante a cerimônia, os participantes pediram o PIX do vereador para contribuir com o aluguel.
Gratuidade na Justiça
O valor que o vereador quer desembolsar é mais da metade dos R$ 170 mil que ele gastou em 2020 na campanha que o reelegeu em São Paulo pelo PSL, segundo os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na época, Digilio conquistou 13.673 votos e foi eleito na última vaga entre os 55 parlamentares.
Na campanha de 2020, Rinaldi Digilio declarou à Justiça um patrimônio de R$ 2,4 milhões, entre casas, terrenos e aplicações em fundos de investimento bancários (veja aqui).
O curioso é que, em uma ação de reintegração de posse movida por ele contra inquilinos de um de seus imóveis, em janeiro de 2023, o vereador solicitou gratuidade judicial no processo. O imóvel seria avaliado em R$ 438 mil.
No processo, a defesa do vereador diz que as custas processuais de R$ 4,3 mil eram excessivamente altas e podiam comprometer o próprio sustento do parlamentar (veja documento abaixo). O vereador nega.
Para conceder a gratuidade, a juíza Claudia Ribeiro, da 4ª Vara Cível do Fórum da Vila Prudente, exigiu que o vereador apresentasse em 15 dias “informações sobre o exercício de sua atividade profissional, esclarecendo se é sócio ou titular de empresas e quais são seus ganhos médios mensais”, além de cópia de extratos bancários, Imposto de Renda e extratos de cartão de crédito.
Mas os advogados não anexaram os documentos ao processo e a magistrada negou a gratuidade. Nos autos, Digilio não chegou a informar à juíza que exerce o cargo de vereador, com salário mensal de R$ 18.991,68.
Em nota, a defesa do vereador disse que “não houve pedido expresso do Sr. Rinaldi César Digilio em relação à concessão de justiça gratuita, tanto que, não foi anexada aos autos qualquer declaração de hipossuficiência” e que “o pedido de concessão de justiça gratuita foi feita em razão de ter sido utilizado uma petição pré-formatada”.
O que dizem as partes
Por meio da sua assessoria, Rinaldi Digilio afirmou que o imóvel em litígio na Justiça de SP é fruto de herança e que nunca pediu justiça gratuita no caso.
O g1 procurou os advogados do vereador por telefone e e-mail para esclarecer o pedido protocolado no TJ-SP, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
No evento de entrega do título de cidadã paulista à Michelle Bolsonaro, Digilio chamou a decisão judicial de barrar o uso do espaço do Municipal para a homenagem de “injusta e antidemocrática”.
Vereador cristão
Rinaldi foi eleito vereador de SP pela primeira vez em 2016, quando conquistou 20.916 votos pelo Republicanos, partido da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e do governador Tarcísio de Freitas.
Autodenominado nas redes sociais como “vereador conservador e vereador de Direita”, ele diz que já barrou na Câmara “a aprovação de mais de 50 leis e proposituras que visavam destruir os valores cristãos e da família tradicional”.
Em 2018, ainda no antigo PRB, Rinaldi tentou cassar sem sucesso no Legislativo o título de ‘cidadão paulistano’ dado pela Câmara Municipal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O título dado à Lula foi entregue no próprio plenário da Casa, sem necessidade de ida a outro espaço público, em 2012. A cerimônia de entrega do título teve presença de grande público.
Anistia às igrejas
Além da atuação na comunidade Quadrangular, o parlamentar afirma que desenvolveu ao longo da carreira trabalhos importantes junto a movimentos e lideranças populares, com diferentes ações sociais que beneficiam comunidades carentes.
“Entre os trabalhos estão duas unidades da Comunidade Terapêutica, casas de reabilitação de dependência química, que atendem mais de 100 pessoas com equipes multidisciplinares”, afirmou.
Entre as proposituras mais importantes da carreira destacada por ele no site da Câmara está a aprovação de projetos para ajudar as igrejas, como a Lei da Anistia de impostos e o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI), além da conquista de espaço para a música gospel na programação cultural da capital paulista.
Digilio também é um dos 19 vereadores que assinaram o pedido de CPI contra o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral dos Moradores de Rua de São Paulo – órgão da Igreja Católica paulistana.
Decisão do TJ
A suspensão do uso do espaço tinha sido determinada na sexta (22) pelo desembargador Martin Vargas, da 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP. O magistrado considerou o uso do teatro para esse tipo de evento uma infração contra “os princípios da Administração Pública, da impessoalidade e da moralidade”.
Ao acatar um recurso liminar da deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) e da ativista Amanda Paschoal, Martin Vargas não era espaço adequado para o recebimento desse tipo de homenagem, que devia acontecer na Câmara Municipal de São Paulo, como sempre acontece nesse tipo de honraria.
“Diversas cerimônias similares de entrega do Título de Cidadão Paulistano já foram realizadas em homenagem a diferentes personalidades públicas, em reconhecimento às suas atuações em âmbito artístico, político, esportivo, cultural, religioso, todas elas na sede do Poder Legislativo Municipal, como se depreende do registro existente no sítio eletrônico do Portal da Câmara”, escreveu o desembargador.
“A suspensão do evento no Theatro Municipal, em atenção à prevalência dos princípios que regem a Administração Pública, em especial ao da publicidade, impessoalidade, motivação e moralidade, diante da existência de indícios contundentes de violação ao interesse público”, completou Martin Vargas na sexta (22).
O desembargador impôs uma multa de R$ 50 mil caso a liminar seja descumprida. E disse que entrega do título à Michelle Bolsonaro deve acontecer na Câmara Municipal, como sempre acorre com todas as honrarias do tipo dadas na cidade pelo Poder Legislativo.
Antes da decisão de pagar o evento do próprio bolso, Digilio disse na noite deste domingo (24), nas redes sociais, que não cumpriria a decisão judicial de segunda instância.
Fonte: G1