Se invadir o Líbano, Israel terá à sua espera túneis quilométricos e de difícil acesso do Hezbollah

por Redação

Israel tem se preparado para uma guerra com o grupo xiita libanês Hezbollah por quase uma década, e um conflito em grandes proporções se tornou mais provável após a escalada na última semana, com uma série de ataques de ambos os lados. Com a intensificação de bombardeios israelenses no sul, áreas do leste e na capital do Líbano, além da explosão de milhares de dispositivos de comunicação e da morte de líderes do movimento islamista, Israel pode agora estar se preparando para uma invasão terrestre no país vizinho. Mas não será uma tarefa tão fácil quanto contra o Hamas na Faixa de Gaza, já que o Hezbollah é conhecido por sua vasta rede subterrânea, que inclui arsenais escondidos e túneis que se estendem por centenas de quilômetros.

Esses túneis, escavados em rocha sólida, são menos acessíveis e mais difíceis de destruir em comparação com os túneis de Gaza, construídos em solo arenoso. Além disso, especialistas apontam que a infraestrutura militar do grupo, incluindo lançadores de mísseis, está integrada em vilarejos no sul do Líbano, o que torna a tarefa ainda mais desafiadora para Israel.

Parte do arsenal do grupo xiita — estimado em até 200 mil mísseis e foguetes — fica escondido nesses túneis, que foram construídos com a ajuda do Irã e da Coreia do Norte após a guerra de 2006 contra Israel, de acordo com um relatório do Alma, um think tank israelense especializado no Hezbollah. Embora o grupo tenha usado apenas uma pequena fração desse armamento nos combates recentes, suas capacidades se expandiram significativamente, especialmente em relação à precisão de seus mísseis.

Em agosto, o grupo divulgou um vídeo de cerca de quatro minutos que mostrava uma dessas instalações subterrâneas. Intitulado “Nossas montanhas são nossos depósitos”, o registro mostra o que pareciam ser túneis subterrâneos grandes o suficiente para acomodar comboios de caminhões. Alguns deles pareciam transportar mísseis e lançadores pela instalação, identificada como “Imad 4” — uma referência ao principal comandante do Hezbollah, Imad Mughniyeh, morto em um atentado com carro-bomba em Damasco, Síria, em 2008, atribuído a Israel.

A autenticidade do vídeo não pôde ser verificada independentemente.

Nicholas Blanford, especialista do Hezbollah em Beirute e membro sênior do Atlantic Council, disse à AFP em agosto que o vídeo poderia ser um “aviso” para Israel. Na ocasião, o grupo xiita havia acabado de prometer uma retaliação pela morte de Fuad Shukr, comandante sênior do Hezbollah assassinado em um ataque no sul de Beirute. Ele era apontado como responsável por orquestrar um ataque às Colinas do Golã anexadas, que matou 12 crianças no fim de julho.

Para o general de brigada aposentado libanês Mounir Shehadeh, o vídeo mostrou “quão profundos, grandes e complexos [os túneis] são, e quão difícil ou mesmo impossível seria para Israel alcançá-los”.

Já Hany Farid, especialista em perícia digital da Universidade da Califórnia, Berkeley, disse que era “improvável” que tivesse sido gerado por inteligência artificial, mas não descartou o uso de outras tecnologias.

— Algumas das filmagens dos caminhões/motocicletas se movendo pelo túnel têm uma leve aparência de CGI — disse Farid.

Instalações complexas e ‘intransponíveis’
O analista militar Hisham Jaber, um general libanês aposentado, disse que pouco se sabe sobre os bunkers e túneis subterrâneos “ultrassecretos” do Hezbollah. A instalação “Imad 4” é provavelmente uma entre dezenas, disse ele, acrescentando que “as montanhas e os topos das colinas do sul do Líbano são ideais para instalações que são protegidas porque estão no coração de uma montanha”.

— Aviões de guerra não conseguem chegar a essas instalações — disse Jaber à AFP, acrescentando que os combatentes podem permanecer dentro de túneis bem equipados por semanas e que Israel poderia “continuar destruindo o Líbano por meses sem nunca alcançar” os bunkers.

Especialistas dizem que as redes de túneis do Hezbollah começaram a ser construídas em meados da década de 1980, quando as tropas israelenses se retiraram da maior parte do Líbano para uma faixa ocupada ao longo da fronteira sul.

Túneis construídos no início dos anos 2000, por sua vez, foram “projetados para um pequeno número de combatentes descansarem, dormirem e comerem”, disse Blanford, enquanto a instalação no vídeo de agosto “supera completamente aqueles antigos bunkers do tamanho de um homem”.

Daniel Meier, chefe do programa de mestrado em Oriente Médio na Sciences Po Grenoble, disse que o uso de túneis pelo Hezbollah durante a guerra de 2006 com Israel, especialmente na cidade fronteiriça de Bint Jbeil, colocou forte pressão sobre o Estado hebreu “apesar de sua supremacia aérea”.

Depois disso, o Hezbollah começou a construir instalações subterrâneas e túneis mais complexos, disseram especialistas à AFP. Em janeiro de 2019, o Exército de Israel disse ter descoberto e destruído “túneis de ataque transfronteiriços”, alguns escavados sob aldeias da fronteira libanesa que Israel tem atacado repetidamente desde outubro.

Comando e terreno
Há também a vantagem para o Hezbollah de lutar em território conhecido, cuja geografia é composta por um terreno bastante acidentado e montanhoso, ideal para táticas de guerrilha.

Andreas Krieg, professor de estudos de segurança no King’s College London, também destaca a estrutura organizacional em rede do grupo. À Reuters, ele descreveu o Hezbollah como “o inimigo mais formidável que Israel já enfrentou”, não somente devido à quantidade de armamentos ou tecnologia, mas pela sua capacidade de resiliência.

Isso se provou após a morte de líderes importantes em ataques aéreos recentes, com o Hezbollah nomeando substitutos logo depois, seguindo a política do grupo de preencher lacunas rapidamente, como afirmado pelo líder Hassan Nasrallah em discurso em agosto.

O ataque aos dispositivos de comunicação do grupo feriu 1.500 membros, mas isso representou apenas uma pequena parte da força do Hezbollah. Segundo um relatório do Congresso americano, o grupo mantém uma força estimada entre 40 mil e 50 mil combatentes, embora Nasrallah afirme que o número chega a 100 mil — com o adicional de terem recebido treinamento da Guarda Revolucionária iraniana.

Fonte: OGLOBO

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