Entrevista: ‘Houve reuniões, mas não levaram a ação’, diz Mourão, ex-vice de Bolsonaro, sobre trama golpista

por Redação

Senador e ex-vice-presidente da República, o general Hamilton Morão (Republicanos-RS) reconheceu em entrevista ao GLOBO que uma ala das Forças Armadas tentou articular um golpe após a derrota de Jair Bolsonaro para Lula em 2022, mas ressaltou que o “Exército agiu dentro da legalidade”. Segundo ele, houve uma “conspiração Tabajara”.

A conversa ocorreu antes da prisão de seu colega de farda, o general Walter Braga Netto, ocorrida anteontem. Procurado, Mourão não quis responder a novas perguntas e afirmou que já havia manifestado sua opinião pelas redes sociais. No X, ele disse que o militar não representava risco e que a decretação da prisão atropelou as normas legais.

As investigações da Polícia Federal indicam que o plano golpista não teve sucesso porque não houve aval do Alto Comando. Como vê o caso?

O Exército se baliza por três vetores: trabalhando dentro da legalidade, usando legitimidade e mantendo a estabilidade do país. O Exército não pode ser fator de instabilidade. É óbvio que uma reversão de um processo eleitoral na base da força lançaria o país num caos. Então, o Exército agiu dentro desses vetores. Foi a atitude correta do (general) Freire Gomes (que se recusou a ceder a apelos golpistas), não há o que contestar.

Mas não dá para negar que outros militares participaram da conspiração.

Mas é uma conspiração bem tabajara, conversas de WhatsApp. Em tese, houve reuniões, mas não levaram a nenhuma ação. Na linguagem militar, nós definimos como “ações táticas” tudo aquilo que há movimento. Não houve nada disso. Houve pensamento, não passou disso.

Há relatos até de carro oficial do Exército sendo utilizado.

Isso aí tudo tem que ser analisado dentro do contexto. Mas, vamos combinar, golpe não funciona assim. Golpe é como você viu aí na Síria, na Venezuela, na Turquia. É tropa na rua, é tiro, é bomba.

Seria necessário o apoio do Alto Comando, então?

Claro que seria. Como funcionaria um golpe? Você vai fazer o quê? Fechar o Congresso? Qual objetivo do golpe? Impedir a posse? Não tem nada disso. É um troço sem pé nem cabeça.

Se o Exército tivesse cedido, a instituição teria contrariado seus princípios?

A realidade é o seguinte: houve um processo eleitoral, tem uma parcela da população descrente desse processo, mas quando você soma prós e contras, o processo eleitoral foi esse. Os dois lados participaram ativamente, houve uma derrota eleitoral e tem que ser encarada dessa forma. E as Forças Armadas, como instituição de Estado, que não pertence ao governo A ou B, permaneceu à margem disso.

O senhor sabia das discussões sobre um possível assassinato do presidente Lula e do vice Alckmin?

Acho essas questões totalmente fora do contexto. Essa investigação da PF, que levou praticamente dois anos, é um escarafunchar de conversas de WhatsApp e de algumas mensagens de e-mails trocados. A gente nunca sabe o contexto em que isso foi efetivamente tratado. Os que estão em indiciados, me parece um grupo pequeno e que não tinha a mínima condição de executar aquilo que em tese estaria dito que eles iriam executar. E também me chama atenção a questão de que eles diziam “vamos ter armas, mas vamos matar por envenenamento”. Então pra que ter arma? São coisas surreais, na minha visão. Eu desconhecia toda e qualquer conversa neste sentido. Eu sabia que havia reuniões no Palácio da Alvorada depois do segundo turno, na época o presidente com os comandantes , o Braga Netto, mas desconheço os assuntos.

O senhor participou?

Nenhuma vez fui chamado para reunião dessa natureza.

Seu nome é citado no inquérito como possível participante de reuniões para tentar combinar a saída de Bolsonaro.

Para mostrar mais uma vez a total falta desconexão dessas conversas de uma realidade. Eu nunca participei de nenhuma reunião, minha agenda é pública, basta consultar. Aí, dois malucos resolvem ter uma conversa sem pé nem cabeça, e um resolve citar o meu nome, só posso dizer isso. Tanto que eu nem dei bola para isso.

Como vê a atuação do ministro José Múcio?

Desde o primeiro momento eu achei que foi uma escolha acertada do presidente da República, pelo perfil do ministro Múcio. Em um momento de desconfianças mútuas, o ministro Múcio vem fazendo um trabalho que eu considero admirável.

Lula deve vir candidato à reeleição. Como a direita pode se preparar?

Lula venceu Bolsonaro mais por deficiências nossas. Do nosso grupo, que não trabalhou direito naquela eleição. Bolsonaro perdeu mais por idiossincrasias que ocorreram ao longo do mandato do que pelo Lula.

Quais?

Questões que enfrentamos na pandemia, que geraram frisson na sociedade, e pessoas deixaram de votar. A direita tem que se unir. Com união, temos total condição de vencer.

O senhor tem conversado com Bolsonaro?

Não.

O senhor se distanciou de Bolsonaro durante o governo. O que aconteceu?

Não é uma questão de distanciamento. O vice-presidente tem que ter um papel discreto, até porque ele não tem papel nenhum.

Apesar dessa obediência, o senhor discordava do presidente, principalmente em relação à pandemia.

Não é questão de discordar. A questão principal sempre foi evitar comentários sobre uma área técnica que a gente não domina. Nunca discordei das atitudes do presidente.

Então, o presidente errou neste caso?

Acho que foram (comentários) desnecessários.

Bolsonaro seria o nome da direita? Se ele não estiver elegível, quem seria?

Neste país tudo é possível. Vamos lembrar que até dois anos antes da eleição o presidente Lula também não poderia se eleger. Os nomes estão voando e vai chegar um momento em que será necessária uma junção de forças. O que não pode é nos apresentarmos divididos.

Como avalia o impasse das emendas parlamentares?

Sou um crítico de como o Legislativo avançou sobre o orçamento. Isso é uma coisa. Outra coisa é o STF interferir em um processo que é entre Legislativo e Executivo. Apesar de ter ordem do Executivo para liberação, os donos dos CPFs que liberam os recursos estão receosos.

Fonte: OGLOBO

Leia também

Assine nossa Newsletter

* obrigatório