O Kremlin disse nesta quinta-feira que está aberto a um diálogo “respeitoso” com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, embora não veja “nada de particularmente novo” em suas últimas declarações sobre o conflito na Ucrânia e sua ameaça de impor mais sanções à Rússia caso a país se recuse a negociar um possível fim do conflito, que completará três anos em fevereiro.
— Não vemos nada de particularmente novo. Ele gosta desses métodos, pelo menos gostava deles durante sua primeira presidência [2017-2021] — respondeu o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, aos repórteres sobre as declarações de Trump. — Estamos esperando por sinais que ainda não chegaram. Continuamos prontos para o diálogo, diálogo em pé de igualdade e respeito mútuo.
O porta-voz também disse que o Kremlin está acompanhando “de perto” as declarações do presidente recém-empossado. Na véspera, a Chancelaria da Rússia disse que via uma janela de oportunidades, “embora pequena”, para forjar acordos com o novo governo, quando comparado ao que o antecedeu.
Na terça-feira, em uma mensagem em sua conta na Truth Social, Trump se dirigiu ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, para chegar a um acordo o mais rápido possível com a Ucrânia. Também deu um prazo de 100 dias para o enviado especial da Casa Branca Keith Kellogg acabar com o conflito.
“Se não fizermos um ‘acordo’, e logo, não tenho escolha a não ser colocar altos níveis de impostos, tarifas e sanções sobre qualquer mercadoria vendida pela Rússia aos Estados Unidos” e a outros países, advertiu.
Frente às ameaças, o vice-embaixador russo na ONU, Dmitry Polyanskiy, destacou que o governo precisava saber o que Trump queria em um acordo para dar fim à guerra. O embaixador alegou que não bastava apenas dar fim ao conflito, mas “abordar as causas fundamentais da crise ucraniana.”
— Temos que ver o que significa o ‘acordo’ no entendimento do presidente Trump. Ele não é responsável pelo que os EUA vêm fazendo na Ucrânia desde 2014, tornando-a ‘antirrussa’ e se preparando para a guerra conosco, mas está em seu poder agora interromper essa política maliciosa — explicou. Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia, alegando que a região sempre fez parte do país.
O governo russo tem advertido com frequência os aliados ocidentais da Ucrânia sobre o envio de armas. Em um de seus últimos atos como presidente, Joe Biden autorizou o uso de mísseis ATACMS de longo alcance por Kiev em novembro, após o envio, de acordo com as potências ocidentais e a Ucrânia, de milhares de tropas norte-coreanas em apoio às forças russas. A Rússia respondeu disparando pela primeira vez uma arma hipersônica experimental chamada “Oreshnik”.
Em uma entrevista exclusiva ao GLOBO em fevereiro de 2024, próximo ao aniversário de dois anos do conflito, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, disse que o Ocidente deveria “parar de encher a Ucrânia de armas”.
Antes de tomar posse na segunda-feira, Trump havia prometido acabar com o conflito no leste europeu antes mesmo de assumir o cargo (e “em 24h”, segundo prometeu durante uma chamada telefônica com o presidente Volodymyr Zelensky), aumentando a perspectiva de que poderia forçar Kiev a fazer concessões a Moscou. O republicano não é um grande aliado de Kiev, posicionando-se diversas vezes, antes de tomar posse, contrário aos pacotes americanos bilionários.
Na terça-feira, Trump criticou a União Europeia por não enviar mais ajuda à Ucrânia e disse que iria “verificar” se os EUA estariam enviando armas adicionais ao país. A fala indica que Trump estaria disposto a recuperar parte dos US$ 61 bilhões em financiamentos para a Ucrânia que foram aprovados pelo Congresso em 2024, mas que ainda não foram gastos.
A Rússia rejeitou em dezembro os termos-base de uma proposta de paz com a Ucrânia, atribuída pelo chanceler a “representantes da equipe” de Trump, que previa o adiamento da adesão da Ucrânia à Otan por 20 anos e a introdução de um contingente de manutenção da paz formado por forças britânicas e europeias em território ucraniano — proposta defendida por Zelensky novamente durante o Fórum Econômico Mundial em Davos.
A hipótese teria sido discutida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e o premier polonês, Donald Tusk, em Varsóvia, em meados de dezembro, e poderia envolver os exércitos de membros da Otan, ou de países com armas nucleares, como França e Reino Unido. No ano passado, Putin condicionou uma paz negociada à renúncia de Kiev a qualquer possibilidade de integrar a aliança, além de abrir mão de partes de seu territórios ocupada parcialmente pelos russos.
Fonte: OGLOBO