Para além do avanço da dengue — o estado totaliza 82 mil casos prováveis dos 139 mil identificados no painel do Ministério da Saúde — o estado de São Paulo tem outra doença disseminada por mosquitos em ascensão preocupante. Trata-se da febre amarela que nas primeiras três semanas de 2025 totalizou sete casos, sendo três deles de pacientes fatais. Embora os números não estejam na casa dos milhares, como os da dengue, esse patamar de ocorrências já inspira cautela entre especialistas em epidemiologia e infectologia. Afinal, os dados desses primeiros dias do ano figuram como o maior registro de febre amarela no estado de São Paulo desde 2019, quando foram registrados 64 casos e 10 mortes em decorrência ao longo de 12 meses. No ano passado, foram conhecidos dois casos, sendo um deles letal.
Tatiana Lang D’Agostini, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria do Estado de Saúde de SP, afirma que em todos os casos fatais os pacientes não contavam com a vacinação para a doença. E diz que a cobertura do estado para a febre amarela chega aos 80%, um patamar alto.
— É uma doença imunoprevenível, temos a vacina a nosso favor para proteger a população. É esse o momento para que todo mundo que não está imunizado vá ao posto de vacinação. Também é preciso ressaltar que quem for fazer ecoturismo em regiões de mata que se vacine até 10 dias antes do deslocamento até essa região — afirma.
As regiões em que há indicativos da doença e que, portanto, inspiram cuidado redobrado são, entre outras localidades, onde há confirmação de casos Socorro (a 134 km da capital), Tuiuti (a 112 km) e Joanópolis (a 112 km). Também levanta preocupação a região de Ribeirão Preto, onde foi detectada a morte de ao menos 20 macacos em decorrência da infecção. Todas as ocorrências de febre amarela em São Paulo, vale dizer, se deram no interior paulista. E não há indícios de que a doença se espalhou para outras localidades do país até este momento.
A situação atípica já faz regiões vizinhas atentarem-se para o risco de espraiamento da doença. Ao GLOBO, o secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz, afirmou que já alertou às equipes de saúde da família e de centros de referência que reforcem a busca por cariocas sem vacinação para febre amarela e conscientizem a população da necessidade de receber as doses ao longo de eventuais consultas. A preocupação, dizem especialistas, não é sem motivo.
— O avanço de casos em São Paulo acende um alerta. Existe o risco da transmissão se expandir. Estamos ainda no início da temporada da doença. Podem ocorrer (casos) principalmente para Minas e Rio de Janeiro. É preciso estar sempre atento, sobretudo na vigilância da morte de primatas não humanos — explica Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), que explica que a disseminação da doença se dá por meio de “corredores” ecológicos, de mata. — É uma época em que é preciso redobrar a atenção, sobretudo a morte de primatas não humanos (como os macacos). Essa é a principal estratégia de vigilância que existe, porque primeiramente morrem os macacos e depois começam a surgir os casos em humanos.
É primordial dizer que, apesar de ser um importante indicador da doença, os macacos não são transmissores da febre amarela e que, portanto, não há qualquer sentido em atacar nesses animais. Eles na realidade ajudam a identificar a circulação do vírus, uma vez que seu adoecimento por conta dessa arbovirose (nome que se dá para doenças transmitidas por mosquitos e carrapatos) é um importante sinal para as equipes de vigilância.
— Com certeza estamos iniciando uma sazonalidade importante de febre amarela no estado de São Paulo porque o início (da temporada), em geral, ocorre em dezembro e acaba em maio. Agora em janeiro já ultrapassamos o patamar do ano passado. Estamos em um cenário que requer atenção e que é preciso empenhar esforços na vacinação. Sobretudo direcionada onde ocorreu a epizootia (nome que se dá (à morte dos primatas) e casos de mortes humanas. É preciso que haja comunicação focada nesses locais — afirma Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Croda ainda ressalta outro ponto desafiador da doença: os sintomas iniciais da febre amarela (febre, mal-estar, dores pelo corpo) podem confundir com os indicadores dos primeiros desdobramentos de um quadro de dengue. O recomendado é que pessoas com sintomas semelhantes procurem o serviço de saúde mais próximo.
Vacina para todos
A vacinação da febre amarela está disponível em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) por integrar o calendário de imunização brasileiro. Desde 2020, o Ministério da Saúde ampliou a recomendação das doses para todos acima de 5 anos de idade (com uma dose) e para crianças de 9 meses a 4 anos de idade (com duas doses). As exceções são para casos específicos, como pessoas com alergia grave a ovo, pacientes com HIV com contagem de células CD4 menor que 350, mulheres amamentando crianças com menos de 6 meses de idade, pessoas com algum tipo de imunodeficiência e pacientes em processo de quimioterapia e radioterapia.
Wanderson de Oliveira, epidemiologista no Hospital das Forças Armadas e professor do Centro Uniceplac, em Brasília, além de ex-secretário de vigilância do Ministério da Saúde lembra que, apesar de inspirar preocupação, a febre amarela ainda é uma doença que ocorre em regiões de mata. O que reduz sua abrangência no país. Uma eventual mudança de vetor da doença (ela é transmitida pelos mosquitos típicos de áreas silvestres Haemagogus e o Sabethes) para um mosquito urbano, como o Aedes Eegypti, seria um risco muito grande para a população.
— Não temos casos urbanos da febre amarela desde 1942. Todos os casos humanos que tivemos desde então são de pessoas que se expuseram a áreas silvestres. Não podemos, portanto, deixar o mosquito da dengue se reproduzir com intensidade em áreas onde há febre amarela. Por isso, devemos controlar o mosquito da dengue em paralelo com as ações de prevenção e vacinação contra a febre amarela — alerta.
Fonte: OGLOBO