A Subprefeitura de Aricanduva/Formosa/Carrão multou o Circo Internacional de Moscou em quase R$ 40 mil por ocupar um terreno público no Jardim Anália Franco, Zona Leste de São Paulo, e estuda despejar a trupe do local, que estava abandonado e sem função havia décadas.
Conforme o g1 publicou, o terreno municipal na Avenida Abel Ferreira, bem em frente ao Shopping Anália Franco, é alvo de uma disputa entre a gestão Ricardo Nunes (MDB) e a comunidade do entorno, que defende que a área vire um hospital público com maternidade.
Localizado em área nobre da região, o terreno milionário, de cerca de 19 mil metros quadrados, sofre ao longo de décadas com invasões, tentativas de grilagem e reintegração de posse, em virtude do abandono por parte do Poder Público.
Após uma ação na Justiça vencida pela Procuradoria Geral do Município (PGM) em 2021, a Prefeitura de SP retomou a posse do espaço, notificando o subprefeito da área, Rafael Dirvan Martinez Meira, de que o órgão deveria zelar e impedir novas invasões.
A PGM também notificou o subprefeito a dar uma destinação social ao terreno, que tem valor estimado de quase R$ 100 milhões.
Nessa época, a gestão de Rafael Dirvan autorizou que o Circo de Moscou usasse a área para seus espetáculos, sem pagamento pecuniário ao município.
Em razão da pandemia, a única contrapartida era a distribuição de parte dos ingressos dos espetáculos às comunidades carentes e escolas públicas do entorno.
Procurado pela reportagem, o Circo Internacional de Moscou não se pronunciou.
Despejo estudado
O Circo de Moscou está no bairro desde o início de 2022. Porém, no último dia 21 de janeiro, recebeu uma multa de R$ 39.643,48 e foi notificada a deixar o terreno logo depois da publicação da reportagem do g1, que dizia que, por falta de destinação social, a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) reivindicava a área para a construção de um conjunto habitacional.
Segundo a Subprefeitura de Aricanduva, a multa foi aplicada ao circo devido à ausência de alvará para realização de eventos. No entanto, em mais de três anos que a companhia circense ocupa a área, a falta do alvará foi notada só agora.
O subprefeito diz ainda que notificou a companhia circense ao deixar o terreno num período de 15 dias, mas a saída não ocorreu. Por isso, ele estuda “medidas cabíveis” para retirar o circo do espaço.
Protesto por hospital público
A decisão da gestão Nunes de transformar o terreno do Anália Franco em habitação popular desagradou não só o “Movimento Salve Periférico”, autor do pedido formal para que a área se transformasse num hospital público municipal com maternidade, mas também muitos moradores do entorno da área.
Nas redes sociais, os vizinhos da área alegam que a chegada do conjunto de 729 unidades habitacionais que a CDHU pretende erguer no local vai impactar o preço dos imóveis, elevar a violência e penalizar os moradores em razão do comércio caro e de luxo da região.
Na sexta-feira (7), membros do “Salve Periférico” estiveram no terreno onde o circo ainda está instalado com faixas reivindicando a construção do hospital na área.
As faixas diziam que o bairro do Anália Franco não precisa de mais prédios e que a construção do hospital é o melhor destino para a área.
O g1 procurou a prefeitura para falar sobre as críticas e os protestos, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Histórico da disputa
O terreno ocupado pelo circo tem um dos metros quadrados mais valorizados do bairro, onde o preço chega a R$ 12 mil. Baseado nisso, os especialistas avaliam que o terreno tenha um valor de mercado de R$ 60 milhões a R$ 100 milhões, segundo imobiliárias.
Um estudo feito por um engenheiro da prefeitura a que o g1 teve acesso afirmou que o melhor destino para o espaço seria um equipamento na área de saúde, visto que a região é carente de leitos públicos e não conta com nenhum hospital municipal à disposição.
Segundo o documento, faltam equipamentos hospitalares de urgência e emergência na região, especialmente para combater a mortalidade infantil e de mulheres.
De acordo com o estudo, “a redução da mortalidade na região, o espaço livre próximo aos equipamentos de saúde da rede particular e a proximidade com a futura estação de metrô, justificam a implantação do Hospital Municipal e Maternidade Anália Franco. É necessário um projeto de lei para a construção do equipamento”.
Como justificativa, o engenheiro da prefeitura aponta que o distrito de Vila Formosa está em 20º entre os que mais têm mortes maternas por complicações nos nascimentos de crianças vivas, considerando-se os 96 distritos do município. Já o distrito de Aricanduva ocupa a 21ª posição.
Vila Formosa e Aricanduva também ocupam as posições 17º e 23º entre os distritos em que mais ocorrem óbitos de crianças menores de um ano, entre os 96 distritos da cidade.
Apoio da Câmara Municipal
A abertura de um hospital na área foi um pedido do movimento Salve Periférico, que procurou as autoridades paulistas para tentar levar a demanda da comunidade.
A ideia foi encampada pelo ex-presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, que enviou ofício para a Secretaria da Saúde, pedindo uma análise do pedido da comunidade, com um estudo de viabilidade para construção do Hospital e Maternidade Anália Franco.
Em resposta, a Coordenadoria de Assistência Hospitalar informou que na Zona Leste estão previstos apenas incrementos nos Hospitais Municipais Dr. Benedito Montenegro (Jardim Iva) e Dr. Alexandre Zaio (Vila Inhocuné), de um total de 400 leitos de internação.
Os dois hospitais, contudo, não fazem parte da jurisdição da Subprefeitura Aricanduva/Formosa/Carrão.
O subprefeito de região – Rafael Dirvan Martinez Meira – indicado pela vereadora Rute Costa (PL) – elaborou um projeto para que uma horta comunitária fosse feita no terreno, administrada pela iniciativa privada.
Rafael chegou a abrir um processo de concorrência pública no ano passado para transformar o espaço em horta, mas apenas uma empresa se interessou pelo projeto, e a licitação foi frustrada.
Agora, a Cohab afirma que o terreno está ocioso e abriu processo público para a área ser registrada em cartório como sendo da empresa, com a intenção de construir um conjunto habitacional para famílias de baixa renda.
O que diz a Prefeitura de SP
Por meio de nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) informou que o terreno mencionado está em processo de transferência de propriedade para a Cohab-SP.
No local, diz, deverão ser desenvolvidos projetos habitacionais voltados para a população de baixa renda.
“Classificada como Zona Especial de Interesse Social tipo 2 (ZEIS 2), a região é destinada à construção de habitações de interesse social, incluindo infraestrutura e equipamentos públicos. Estão previstas 729 unidades habitacionais, além de praças e hortas comunitárias”, disse a gestão.
Os documentos da Cohab, entretanto, afirmam que apenas 429 unidades habitacionais serão erguidas no local, segundo a Gerência de Controle de Contratos da COHAB.
Já a Subprefeitura Aricanduva/Formosa/Carrão informa que a proposta de implantação de uma horta urbana no local foi suspensa por falta de cumprimento de prazo pela entidade parceira.
“Desde 2022, o terreno teve cessões temporárias para circos. O último estabelecimento tinha como prazo para uso temporário dezembro de 2024. Como o terreno vai receber o projeto habitacional, o uso não foi prorrogado e o circo será notificado para deixar a área”, afirmou.
Reação da comunidade
O presidente do Movimento Salve Periférico, Luis Tadeu Eugênio, diz que não vai se opor a uma possível construção de conjunto habitacional popular na área, mas lamenta que a comunidade não esteja sendo ouvida no processo.
“A gente não acha ruim construir casas populares. Mas o pedido do hospital foi feito por mais de 400 pessoas que assinaram abaixo-assinado e fizeram reuniões com a gente, pedindo mais atenção para a saúde da região de Aricanduva. O prefeito disse no início do mandato que tem responsabilidade e vai trabalhar pela periferia, mas, na prática, as subprefeituras precisam ouvir mais a comunidade e o que a gente tem a dizer”, comentou.
“Um hospital com maternidade é um pedido antigo das lideranças da área e, agora que o metrô vai chegar a menos de 100 metros do terreno em 2026, seria uma mão na roda para todos os moradores da Zona Leste”, disse Luis Tadeu.
Fonte: G1