A universitária brasileira presa em centro para detenção de imigrantes nos EUA: ‘Nenhum mandado de prisão foi emitido’

por Redação

O domingo que passou (15/6) foi Dia dos Pais nos Estados Unidos, mas a brasileira Caroline Dias Gonçalves, de 19 anos, não pôde comemorar a data com seu pai na casa da família no Condado de Utah, no centro-oeste dos Estados Unidos, país onde vivem há 12 anos.

Caroline também não pôde estudar para seu curso de enfermagem na Universidade de Utah, onde ela é bolsista por mérito, ou sair com as amigas para os shows de música country que ela gosta.

➡️Isso porque, em 5 junho, uma quinta-feira, Caroline foi detida pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).

A detenção ocorreu após a jovem ser parada por uma pequena infração de trânsito, enquanto dirigia o carro do pai para visitar amigos em Denver, capital do Colorado, Estado vizinho ao Utah.

“O que sabemos é que ela estava dirigindo no Colorado e ela tinha uma habilitação para dirigir válida”, conta Gaby Pacheco, CEO da TheDream.US, organização sem fins lucrativos dedicada a oferecer bolsas de estudos para jovens imigrantes, através da qual Caroline conseguiu a bolsa para estudar na Universidade de Utah.

Caroline agora está presa há mais de 10 dias no centro de detenção de imigrantes em Aurora, nas proximidades de Denver, o que foi confirmado à BBC News Brasil por seu advogado, Jonathan M. Hyman.

Ela deve ter sua primeira audiência judicial nesta quarta-feira (18/6), e a defesa espera que Caroline possa ser libertada mediante fiança.

A prisão da brasileira ocorre em meio ao endurecimento da política de imigração nos Estados Unidos que tem marcado o segundo mandato do republicano Donald Trump.

Cerca de 51 mil imigrantes sem documentados estavam detidos pelo ICE no início de junho — maior número já registrado desde setembro de 2019.

Embora números precisos e atualizados sobre o total de detenções por imigração desde a posse de Trump, em 20 de janeiro, não estejam disponíveis publicamente, autoridades da Casa Branca disseram esperar que o ICE aumente o número de prisões para 3 mil por dia, ante cerca de 660 durante os primeiros 100 dias de presidência de Trump.

Inicialmente, as autoridades americanas insistiam que as operações eram direcionadas a criminosos e potenciais ameaças à segurança pública.

Mas um número significativo de imigrantes detidos pelo governo Trump não tem antecedentes criminais, como é o caso de Caroline.

Procurado, o Itamaraty afirmou que a família de Caroline ainda não havia entrado em contato com o Consulado-Geral do Brasil em Los Angeles, que atende a região onde ocorreu o caso.

A pasta, no entanto, disse que buscaria mais informações sobre a situação da jovem, após ser informada sobre o caso pela BBC News Brasil.

A reportagem também entrou em contato com o ICE por e-mail. O serviço imigratório americano confirmou o recebimento da mensagem, mas não enviou uma resposta aos questionamentos até a publicação deste texto.

A BBC News Brasil tentou ainda contato com os pais de Caroline, através da TheDream.US, que está em contato diário com a família. Mas os pais estão assustados com a situação e também temem ser alvo das autoridades migratórias, após a prisão da filha, e não estão falando com a imprensa.

Um parente de Caroline falou sobre o caso ao jornal local The Salt Lake Tribune, sob condição de anonimato, por estar em processo de obtenção de visto.

Pedido de asilo
A mais nova de quatro irmãos, Caroline vive nos Estados Unidos desde os 7 anos.

Segundo a reportagem do The Salt Lake Tribune, a família entrou nos Estados Unidos com um visto turístico de seis meses, mas ficou no país além deste prazo.

Há três anos, a família entrou com pedido de asilo e ainda aguardava uma decisão.

Ao solicitar o asilo, Caroline e seus pais receberam permissões para trabalhar, carteiras de habilitação “limitadas” e números de seguridade social (documento americano equivalente ao CPF no Brasil).

Não está claro sob que argumentos a família entrou com pedido de asilo, mas ao The Salt Lake Tribune o parente de Caroline disse que a família se mudou para os Estados Unidos há 12 anos após passar por situações de violência no Brasil, incluindo assaltos e terem sido feitos reféns por criminosos.

Após a detenção da estudante, amigas dela organizaram uma coleta de doações para ajudar a família a arcar com os custos com o advogado e a possível fiança de Caroline.

“Numa fiança comum, é possível ser solto pagando antecipadamente 10% do valor estabelecido. Mas em casos de imigração, é preciso pagar o valor total”, diz Pacheco, da TheDream.US. “Além disso, advogados de imigração, especialmente em casos de defesa contra deportação, podem ser muito caros.”

A TheDream.US também lançou um comunicado público sobre o caso e realiza uma abaixo-assinado pela liberdade de Caroline, que já conta com mais de 1,8 mil assinaturas.

Megan Clark, de 20 anos e melhor amiga de Caroline, é uma das organizadoras da campanha de financiamento coletivo e pela liberdade da estudante brasileira.

Ela conta que estuda com Caroline desde a 7ª série. Elas cursaram juntas os equivalentes americanos ao Ensino Fundamental 2 e ao Ensino Médio e se tornaram colegas de dormitório na universidade.

Megan conta que foi ela que convenceu Caroline a trocar de graduação, de Administração de Empresas e Marketing — como aparece no perfil da estudante no LinkedIn — para Enfermagem.

A amiga conta que Caroline é divertida, extrovertida e faz amigos com facilidade.

“Ela ama fazer o que a maioria dos jovens na América ama, ela se encaixa perfeitamente e todas nós meio que fazíamos as mesmas coisas”, diz Megan.

“Ela ama música country, então fomos a alguns shows juntas; eu, meu noivo e ela saímos para dançar swing na maioria dos fins de semana, porque ela nos ensinou a dançar swing, ela ama esse tipo de coisa. E quanto ela não estava comigo, estava com sua amiga Maddie, elas também são muito próximas e costumam ir para a academia juntas — a Caroline também ama ir para a academia.”

Prisão e controvérsia

Megan conta que, na quarta-feira (4/6), quando Caroline disse que pretendia viajar ao Colorado para visitar amigos no dia seguinte, disse a ela que não gostava da ideia de a amiga viajar sozinha.

Na quinta, elas se falaram logo cedo e Megan acompanhou pela localização do celular compartilhada quando Caroline saiu de sua casa em Lehi, Utah.

Caroline conversava por viva-voz com sua amiga Maddie durante a viagem, pois não gostava de viajar sozinha e gostava de conversar enquanto dirigia.

Maddie então pôde ouvir todo o diálogo, quando Caroline foi parada pela primeira vez pelo policial que disse que ela estava dirigindo perto demais de um caminhão.

O policial pediu a ela sua identidade e os documentos de seguro do carro, e ela saiu do veículo e ficou esperando por cerca de 40 minutos enquanto ele checava a documentação.

Em dado momento, o policial teria perguntado a Caroline de onde ela era, porque ele podia ouvir um sotaque. “Mas ela não tem sotaque algum, ela soa muito, muito americana”, observa Megan.

Caroline disse que era do Utah, mas o policial insistiu, perguntando onde ela nasceu, e Caroline contou então que era do Brasil. Pouco depois, o policial deixou ela ir, apenas com um aviso.

Caroline então ligou para Megan para contar o que aconteceu. Enquanto as duas ainda conversavam, ela disse que tinha que desligar, pois estava sendo parada novamente.

Depois disso, o telefone de Caroline foi desligado e sua localização ficou paralisada em meio à rodovia. Após três horas sem notícias da amiga, Megan foi à casa dos pais de Caroline e, enquanto estava lá, a amiga ligou contando que havia sido presa e pedindo desculpas aos pais.

A família ficou sem notícias da estudante até o sábado, quando descobriram que ela estava detida no centro de detenção de imigrantes em Aurora.

Desde então, ela tem falado por telefone diariamente com a família — que precisa enviar dinheiro para o centro de detenção para ela poder fazer as ligações.

“Ela também disse que não gosta da comida, porque eles servem apenas tacos e burritos o dia todo e ela não gosta muito disso.”

Segundo uma reportagem da KSL TV sobre o caso, a prisão de Caroline deve gerar uma investigação no Colorado, devido à suspeita de colaboração entre a polícia local e o serviço de imigração.

“Isso é incomum e beira a ação inconstitucional… Nenhum mandado de prisão foi emitido e o ICE a deteve sem solicitar identificação”, disse Jonathan M. Hyman, o advogado de Caroline, à emissora.

“Detenções inconstitucionais estão sujeitas a moções para encerrar os processos e, neste caso, deter uma estudante universitária sem antecedentes criminais e sem mandado não será bem visto”, disse Hyman.

“A aplicação indiscriminada das leis de imigração é de natureza autoritária e não se baseia nos princípios que criaram nossa democracia.”

Em um comunicado à KSL, o gabinete do xerife do Colorado afirmou: “Não investigamos o status de residência de acordo com a lei do Colorado… e estamos conduzindo uma revisão administrativa completa para garantir que agimos de acordo com nossas políticas e o estatuto do Colorado”.

Com informações da reportagem de Bernd Debusmann Jr, correspondente da BBC News na Casa Branca

Fonte: G1

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