Apontada como rival do PCC (Primeiro Comando da Capital), a organização criminosa criada e liderada por Anderson Ricardo de Menezes, mais conhecido como Magrelo, provocou uma disputa sangrenta pela rota do narcotráfico na região de Rio Claro, no interior de São Paulo, nos últimos dois anos. Apesar do poder bélico e da movimentação vultuosa de dinheiro, especialistas ouvidos pelo R7 dizem que o grupo oferece apenas uma ameaça local.
O bando é alvo de uma investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo) de Piracicaba, do MPSP (Ministério Público de São Paulo). Oito integrantes, incluindo Magrelo, já foram identificados pelo órgão. Eles foram denunciados pelos crimes de organização criminosa e associação para o tráfico de drogas.
Durante operação do Gaeco em parceria com o Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia), em 17 de maio, cinco membros da organização rival do PCC foram presos preventivamente. Nesta terça-feira (23), a Polícia Militar Ambiental também conseguiu capturar Magrelo, durante patrulhamento, entre as cidades de Novo Horizonte e Borborema, a cerca de 220 quilômetros de Rio Claro.
Para a desembargadora do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Ivana David, o grupo liderado por Magrelo — também conhecido como “Chefe”, “Patrão” e “Barabas” — pode ser considerado somente uma ameaça regional ao PCC, pois a estrutura ainda é pequena. Em razão disso, eles não podem ser denominados facção criminosa, a exemplo do PCC ou o do Comando Vermelho.
“Uma organização criminosa tem que ter mais de quatro integrantes, uma hierarquia e estrutura de carreira dentro da associação [do tráfico de drogas]. A facção criminosa tem outro tipo de ligação. Existe uma estrutura empresarial. O PCC, por exemplo, tem uma estrutura transnacional, domina as fronteiras da América do Sul e já tem ligações com a Europa, Ásia e África”, explica a desembargadora.
À reportagem, David também afirma que as prisões recentes vão abalar o organograma do grupo de Rio Claro, pois vão desestabilizar a hierarquia e a divisão de tarefas. “Quando se tira, por exemplo, o líder, a estrutura cai e é necessário refazê-la, o que demanda um tempo. Pelo menos por hora, a coluna hierárquica dessa organização enfraqueceu”, afirma.
De acordo com o promotor de Justiça Criminal Marcio Sergio Christino, o PCC já alcançou o nível de cartel, o que também dificulta uma comparação com o grupo de Magrelo. “É uma facção que tem amplitude gigantesca com volume de recursos grande. É a organização que mais cresce no mundo e atua no país inteiro”, afirma.
Atualmente, segundo Christino, a facção paulista encontra, de fato, resistência entre as organizações criminosas da região do Norte do país, como a Família do Norte, em razão da disputa do mercado de drogas.
“Os grupos criminosos [nortistas] se abastecem [com mercadorias] do Peru, usam a Rota Solimões e vendem drogas na parte de cima no Brasil. Enquanto o PCC importa a cocaína da Bolívia. Já o grupo de Rio Claro, provavelmente, obtém as drogas por intermediários”, explica o promotor de Justiça.
“Seria uma surpresa se surgisse uma organização para se opor ao PCC em tamanho e força. Isso não é uma coisa que acontece de hoje para amanhã. São disputas de mercado. Quando o grupo [de oposição] se tornar um incômodo, há duas possibilidades: eles podem se integrar ao PCC ou a facção paulista vai cortar o fornecimento de drogas”, defende Christino.
Magrelo: opositor do Marcola?
Criador da organização criminosa em Rio Claro, o traficante Anderson Ricardo de Menezes, de 48 anos, se considera o “novo Marcola”. Na denúncia do MPSP, obtida pelo R7, ele é descrito como o chefe da criminalidade local, sendo respeitado na área por meio do comportamento violento.
“[Ele] não admite desaforos, seja de outros criminosos de seu grupo, seja de pessoas envolvidas com outras organizações criminosas, tal como o Primeiro Comando da Capital. A consequência de quem ousa contrariar as determinações de Anderson Ricardo é uma só: a morte”, definem os procuradores responsáveis pela investigação.
Esta não é a primeira vez que Magrelo é alvo de investigações pelo Gaeco de Piracicaba. Em 2014, foi deflagrada a Operação Carro Falso contra uma organização criminosa acusada de falsificação, adulteração, roubo e furto de documentos e veículos, da qual ele fazia parte.
A denúncia do MPSP também afirma que, ao longo dos anos, Anderson Ricardo “evoluiu na criminalidade”. Antes de ser preso nesta terça-feira, ele ostentava alto padrão financeiro, fruto do tráfico de drogas, morava em um condomínio fechado e frequentava ambientes da alta sociedade rio-clarense.
Em uma conversa por WhatsApp entre integrantes da organização criminosa, a que o MPSP teve acesso, Willian Ribeiro de Lima Diez, considerado o braço direito de Magrelo, afirma que o grupo chegou a lucrar R$ 100 mil por semana com a venda de drogas.
Questionada sobre a comparação com o líder máximo do PCC, a desembargadora Ivana David reitera que “o Anderson é uma pessoa violenta. Ele não é parecido com o Marcola, ele é parecido com o Pablo Escobar. Ele vai matando todo mundo que vai passando na frente dele”.
Disputa pela Rota Caipira
O objetivo do grupo de Magrelo é tentar dominar parte da Rota Caipira, conhecida rota de tráfico internacional de drogas, delimitada entre o interior paulista e o Triângulo Mineiro, de acordo com os especialistas. Essa região é a ponte entre os países produtores da droga, a Colômbia, o Peru e a Bolívia, e os centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro.
“A região de Rio Claro tem algumas peculiaridades, por isso faz parte da Rota Caipira. Ela é uma região rica, com malha viária muito boa, e tem muita pista clandestina. É uma região de fazenda, e é boa para o tráfico de entorpecentes, por isso escolheram aquela região”, explica a desembargadora.
Pelo menos desde o ano de 2021, o MPSP identificou a atividade da organização criminosa em Rio Claro devido ao aumento do número de assassinatos. O uso de fuzis e execuções em via pública à luz do dia faz parte do modus operandi dos criminosos.
De acordo com os dados disponibilizados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública), em 2020, foram registrados 21 boletins de ocorrência por homicídios dolosos na cidade. O número aumentou para 37 em 2021. Enquanto, em 2022, foram contabilizados 33 casos pela pasta.
Além do tráfico de drogas, o Gaeco de Piracicaba também observou a partir das fotos e conversas de WhatsApp, obtidas pela perícia dos celulares de integrantes da organização, a prática dos crimes de porte e posse de armas de fogo de uso permitido e restrito, lavagem de dinheiro e homicídios.
Fonte: r7