Quem vive ou trabalha em São Paulo se depara diariamente com dezenas de pessoas em situação de rua, especialmente na região central da maior metrópole da América Latina. São pessoas que não têm onde morar, algumas delas pedintes e coletores de sucata, que passam os dias com a incerteza sobre ter ou não um prato de comida ao anoitecer. Além de passar por essa aflição, elas convivem desde fevereiro com a retirada de barracas por parte da Prefeitura de São Paulo, o que classificam como uma agressão.
Segundo um levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas, São Paulo tem mais de 48 mil pessoas que vivem nas calçadas e praças da capital — o que representa 25% de toda a população de rua do país.
Nos últimos anos, uma forma de moradia encontrada por essas pessoas foi a barraca de camping. Além de oferecer abrigo contra o vento e a chuva, a barraca constitui mais um mecanismo de segurança para aqueles que não podem ter um portão com cadeado.
Em fevereiro deste ano, a Subprefeitura da Sé anunciou a polêmica medida de remoção dessas barracas, que logo seria travada pela Justiça de São Paulo. Entretanto, pouco mais de um mês depois, o TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) derrubou a liminar e liberou ações desse tipo por parte do poder municipal.
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, as remoções ocorrem para a limpeza das calçadas e outras medidas de zeladoria do passeio público. Por outro lado, o programa do poder municipal não é bem recebido pelas pessoas em situação de rua, que relatam desrespeito por parte de agentes municipais.
“[As remoções] são uma agressão aos moradores de rua porque a gente já não tem espaço, somos, digamos, os excluídos da sociedade, certo? E o pouco que a gente tem, em cada operação de rapa, é tirado de nós, simplesmente jogado no lixo”, afirmou Larissa, de 34 anos.
A mulher, que vive na rua há 11 anos, explica que a relação entre as autoridades e o grupo que mora na região do Minhocão não é harmoniosa.
Fátima Braz, de 66 anos, mora nas ruas de São Paulo desde julho de 2020. Ela é tratada pelos vizinhos de barraca como uma espécie de matriarca que até tem o próprio pet. Assim como Larissa, a idosa pede um tratamento humano do poder público.
“Enxergo [as remoções de barracas] como caso de desrespeito a qualquer grau de cidadão, entendeu? Não é porque o povo está na rua que perdeu o valor de ser humano, continuamos humanos. Até um cachorrinho, como você vê, nós damos abrigo”, diz Fátima ao R7.
Para a idosa, os confrontos com as autoridades diminuíram ao longo dos anos, mas isso não muda as dificuldades de morar nas ruas de São Paulo.
A Prefeitura de São Paulo afirma que a remoção das barracas não é permanente e que permite que as pessoas em situação desmontem a estrutura e guardem seus pertences. Entretanto, essa versão do poder municipal não é confirmada pela população de rua nem pela Defensoria Pública.
Em entrevista ao R7, a coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, Fernanda Balera, explicou que não há fundamento legal para a retirada das barracas das pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo a defensora, as autoridades precisam avisar previamente os moradores sobre as ações de zeladoria, o que não ocorre.
“A legislação prevê, ainda, que em caso de retirada de bens pessoais, os agentes devem registrar por escrito e entregar um contralacre para que a pessoa possa reaver seus bens. Isso, infelizmente, não costuma ocorrer, e os relatos são de que as barracas são quebradas e tratadas como se lixo fossem”, conta Balera.
A defensora pública também criticou o déficit de vagas e o que ela chama de “precariedade nos serviços de acolhimento” às pessoas em situação de rua, que precisam “adotar as mais variadas estratégias de sobrevivência”.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que recolhe apenas pedaços de madeira, colchões grandes, cadeiras e lonas para montar barracas, caso esses itens não sejam retirados pelas próprias pessoas em situação de rua. O Poder Executivo municipal também reforçou que não quebra barracas e que apura rigorosamente ações de agentes que cometam abusos.
Fonte: r7