O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu suspender, nesta segunda-feira (5), uma lei municipal sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) que liberava a emissão de até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na cidade de São Paulo.
A decisão, que tem caráter liminar, é do desembargador Fernando Antônio Ferreira Rodrigues. O magistrado atendeu a uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) do diretório paulista do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), encabeçada pelo vereador Celso Giannazi.
Na decisão, o desembargador entendeu que a mudança do nível dos decibéis em eventos musicais foi incluído em um projeto de lei do governo municipal que trata sobre o funcionamento das dark kitchens — popularmente, esse tipo de manobra é conhecido como “jabuti”.
A lei aprovada pela Câmara Municipal, em 30 de novembro, tem em seu artigo 146 a seguinte redação: “Desde que previamente autorizados pelo Poder Público, os eventos e shows de grande porte, assim definidos em decreto regulamentar, que por sua natureza não ocorrem de forma continuada, estão sujeitos ao limite de pressão sonora RLAqe de 75db (setenta e cinco decibéis)”.
Para Ferreira Rodrigues, o argumento do PSOL faz sentido porque “a proposta legislativa original, de iniciativa do Poder Executivo, foi apresentada para estabelecer regras aplicáveis aos estabelecimentos destinados ‘à comercialização de refeições e alimentos essencialmente por serviço de entregas, sem acesso de público para consumo local’, popularmente conhecidos como “dark kitchens'”.
Para o desembargado, a mudança no teor do ruído em eventos e shows “não guarda pertinência temática com o objeto da proposta principal, e ainda foi aprovado, ao que parece, sem estudos técnicos e participação popular, […] daí aplausibilidade da existência do vício de inconstitucionalidade”.
Essa foi a razão para o desembargador decidir contra mudança no nível de ruído “até pronunciamento definitivo” de um colegiado de desembargadores. A decisão foi remetida ao presidente da Câmara Municipal de São Paulo.
Entenda o que está em jogo
A nova lei, que permite elevar a até 75 decibéis o barulho em shows em São Paulo, tem sido criticada por parte da sociedade civil e associações de bairro, tanto por permitir o aumento do barulho quanto por ter sido inserida em um projeto sobre outro tema, o das “dark kitchens”.
Na segunda e definitiva votação na Câmara Municipal, na última terça-feira (29), o vereador Celso Giannazi (PSOL) já havia sinalizado que iria judicializar a mudança, caso fosse aprovada e promulgada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
“É um jabuti sim, porque trata de questões diferentes”, afirmou à época, referindo-se ao termo popularmente utilizado para artigos inseridos em projetos sobre outros temas. “Um volume desse tamanho pode trazer diversos problemas à saúde”, destacou em rede social no sábado (3).
A prefeitura nega que seja um “jabuti”. Em nota destacou: “Tendo em vista que o projeto de lei das dark kitchens trata do regramento para uma atividade nova na cidade e de seus parâmetros de incomodidade, entendeu-se possível a inclusão no texto de definição de parâmetros de incomodidade de ruído nas situações não previstas anteriormente na legislação.”
Na semana passada, uma decisão do TJ-SP considerou “inconstitucional” o fim da gratuidade para idosos de 60 a 64 anos nos ônibus da capital paulista, por ter sido inserido em um projeto sobre outro tema.
A nova lei — de número 17.853/22 — entrou em vigor na quarta-feira (30) após ser publicada no Diário Oficial. De autoria do Executivo, o texto passou por modificações por vereadores ligados à Prefeitura. A mais criticada foi a inclusão do artigo 13, relativo ao novo limite de decibéis para o entorno de shows e eventos de grande porte.
A mudança foi criticada por movimentos da sociedade civil e parte dos vereadores, por envolver um tema não diretamente ligado ao do projeto. Abaixo-assinados apresentados na Câmara reuniram mais de 20,8 mil assinaturas contrárias ao novo limite de decibéis.
O limite se refere a eventos e shows de grande porte previamente autorizados pelo poder público, “assim definidos em decreto regulamentar, que por sua natureza não ocorrem de forma continuada”.
Outra mudança na versão aprovada é a inclusão de um parágrafo que destaca que as disposições constantes no artigo “não eximem os responsáveis do cumprimento de medidas mitigadoras relacionadas com o ruído a serem implementadas no estabelecimento ou entorno, conforme o caso”.
Associações de bairro
A mudança tem motivado críticas de associações de bairro e moradores por possibilitar o aumento do ruído em áreas hoje com emissão limitada a níveis inferiores, como 55 decibéis, a depender do zoneamento da vizinhança. A lei deve atingir especialmente as vizinhanças de arenas.
Para especialistas, a exposição prolongada a barulho alto pode causar danos ao corpo, como distúrbios de sono, doenças cardiovasculares e problemas à saúde mental. Parte dos vereadores de oposição tem associado a proposta às três notificações que o Allianz Parque recebeu por violações ao Psiu (Programa Silêncio Urbano) no primeiro semestre, o que poderia implicar no fechamento administrativo. Em abril, por exemplo, um show no local chegou à medição de 74 decibéis.
‘Dark kitchens’
As chamadas “dark kitchens” são cozinhas industriais voltadas exclusivamente à produção de refeições para entrega, geralmente por aplicativos, sem o atendimento de clientes no local. Moradores de vizinhanças com “dark kitchens” reclamam dos riscos de poluição sonora e atmosférica causada pelos exaustores e outros equipamentos.
Também têm criticado a falta de clareza sobre como seria a fiscalização do setor. Outro ponto questionado foi a ausência de estudo de impacto ambiental desse tipo de atividade.
Parte das empresas dos setor alimentício também tem criticado a lei por restringir o tamanho de “dark kitchens” a até 500 metros quadrados quando localizadas em áreas residenciais.
Em nota emitida antes da aprovação do então projeto, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) disse que a mudança inviabilizaria economicamente a “manutenção das operações existentes” e poderia impedir a abertura de novas unidades.
Já vizinhos de “dark kitchens” declararam em audiências públicas nas últimas semanas que a nova lei é insuficiente. Um dos pontos mais criticados é a falta de restrição ao horário de funcionamento. Moradores do entorno desses espaços relatam um cotidiano de poluição atmosférica e sonora.
Fonte: Com informações da Agência Estado