O número de mortes causadas por policiais no estado de São Paulo caiu 38% em 2022. Divulgados pelo Instituto Sou da Paz, os dados são da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo).
A queda no índice de letalidade policial, tendência registrada no ano anterior, é atribuída aos mecanismos de controle da força adotados pela corporação, segundo especialistas.
“Desde 2020 há uma queda ininterrupta. Dá para afirmar que tem relação com essa política de profissionalização implementada na polícia de São Paulo. A câmera corporal é muito importante, mas nem de longe é a única e a grande resposta para isso”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Embora as bodycams sejam frequentemente apontadas como fator essencial na queda de 448 mortes em 2021 para 278 em 2022, quem se debruça sobre o tema assegura que a ferramenta é, na verdade, parte de um conjunto de mecanismos de controle do uso da força que tem reduzido a letalidade das polícias paulistas.
Além das câmeras, há o uso de armas de incapacitação neuromuscular (tasers); o sistema de saúde mental da PM; as comissões de mitigação de risco, colegiados que analisam a conduta do agente envolvido no caso de uso da força; e a estrutura correcional, cujo fim é definir procedimentos adotados em casos de uso da força letal.
“A câmera certamente tem a ver, mas há todo um modelo de gestão criado, uma forma de trabalhar que não privilegia a letalidade”, afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Policiais fora de serviço matam mais em 2022
Na contramão dos números da letalidade policial em serviço, as mortes cometidas pelos agentes em folga se mantiveram quase no mesmo patamar, com leve acréscimo.
Foram 144 registros em 2021 e 158 no ano passado, o que representa um aumento de 10%. “Um patamar que se mantém alto”, afirma Carolina Ricardo.
Segundo a diretora do Sou da Paz, essa é uma categoria mais complexa, uma vez que o contexto de cada episódio pode variar: há, prossegue ela, situações que envolvem policiais em “bicos”, outros que reagiram a assaltos, violência interpessoal ou até casos de execução.
“É necessário olhar esse número como prioridade e desenvolver um diagnóstico preciso”, afirma a diretora do instituto.
Negros ainda formam a maioria dos mortos por policiais
Embora os mecanismos de controle de força mostrem avanços na redução do número de mortes, outro estudo, de novembro, reforça um dado alarmante: negros são a considerável maioria dos mortos pelas polícias no país.
A pesquisa “Pele Alvo: a Cor que a Polícia Apaga”, da Rede de Observatórios em Segurança Pública, revelou que, das 3.290 mortes ocorridas durante operações policiais em 2021 em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Piauí, 2.154 (65%) das vítimas eram negras.
No estado paulista, onde a maioria da população é branca, a desproporção fica ainda mais evidente: 69% dos mortos por policiais eram negros.
Há um desafio das polícias e de toda a sociedade, avalia Carolina Ricardo, para enfrentar o racismo estrutural que se observa na atuação das forças policiais brasileiras.
“Os gestores têm dificuldade de entender o problema. Não é como se o policial saísse de casa decidido a matar a população negra, mas se trata de uma questão estrutural. Polícias do mundo todo já têm realizado essa discussão. E São Paulo deve fazer também”, afirma.
Rafael Alcadipani entende, no mesmo sentido, que a raça é um elemento de influência para determinar qual população é mais vitimada pela violência policial. O professor observa, no entanto, que “não há preocupação nenhuma” no comando da Polícia Militar para resolver o problema. “Infelizmente, aqui em São Paulo, parece que não há interesse nesse tipo de avanço”, conclui.
A reportagem procurou a SSP-SP para comentar a queda da letalidade policial em serviço, o aumento dela entre policiais de folga e a maior vitimização da população negra e aguarda o retorno da pasta.
Fonte: Com informações da Agência Estado