O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse para o seu terceiro mandato consecutivo no país na manhã desta sexta-feira, apesar de evidências confiáveis de que seu oponente venceu as últimas eleições e em meio a protestos contra seu plano de permanecer mais seis anos no poder. O evento da posse do líder chavista foi organizado pela Assembleia Nacional, também controlada pelo partido governista, no Palácio Federal Legislativo, em Caracas.
— Eu juro que este novo mandato presidencial será o mandato da paz — disse Maduro diante do presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez, que respondeu declarando o líder chavista como presidente constitucional da República Bolivariana de Venezuela. — Este ato é possível porque a Venezuela está em paz, em pleno exercício de sua soberania. Estes anos [de mandato] representam a luta de 500 anos contra o colonialismo. É a história da resistência contra toda a forma de dominação.
A posse de Maduro ocorre apenas horas após centenas de manifestantes contrários ao governo tomarem as ruas da capital — e de assessores da líder da oposição, María Corina Machado, denunciarem que ela foi brevemente detida por forças de segurança enquanto participava do protesto. Após meses sem aparições públicas, a popular ex-deputada, proibida pelo governo de se candidatar a cargos públicos, esteve nas ruas para exigir que o candidato da oposição, o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, assuma a Presidência.
A oposição qualificou a posse do governante como “golpe de Estado”. Em comunicado, a principal coalizão opositora, a Plataforma Unitária, disse: “Com a usurpação do poder por parte de Nicolás Maduro (…), apoiado pela força bruta e desconhecendo a soberania popular expressa de forma contundente em 28 de julho passado, consumou-se um golpe de Estado. González Urrutia é quem deve ser empossado”.
Líderes internacionais condenaram o governo por reprimir as vozes da oposição e exigiram sua libertação. Entre as autoridades presentes estão os primeiros-ministros da República Árabe Saaraui Democrática e de Antígua e Barbuda, além dos presidentes de Cuba, Miguel Díaz Canel, e o da Nicarágua, Daniel Ortega. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, um aliado próximo de Maduro, declarou que não compareceria devido às detenções, no início da semana, de outro opositor venezuelano e de um defensor dos direitos humanos.
Também não se sabe se González Urrutia, exilado na Espanha desde setembro, cumprirá a promessa de retornar à Venezuela na sexta-feira. O opositor está na República Dominicana, última parada de uma viagem internacional que terminaria em um voo privado para Caracas para tentar tomar posse como presidente. Autoridades governamentais ameaçaram repetidamente prender o candidato se ele voltar ao país, indicando que ele seria tratado como “invasor”.
O governo brasileiro foi representado por sua embaixadora em Caracas, Gilvânia Maria de Oliveira — uma delegação de nível inferior à enviada para a posse do ultraliberal Javier Milei na Argentina. A administração Lula continuará sem reconhecer Maduro ou González Urrutia como presidente, embora resista romper completamente as relações diplomáticas com o país vizinho. Ao lado dos presidentes colombiano e mexicano, o petista investiu capital político em uma saída diplomática negociada com a oposição, mas o líder chavista rejeitou qualquer concessão e deixou de lado seu antigo aliado.
O desfecho das eleições presidenciais na Venezuela representa um fracasso político para Lula, publicou o El País. Isso porque o brasileiro iniciou seu mandato apostando nas relações com o governo venezuelano, impulsionando uma ofensiva diplomática para romper o isolamento de Maduro e normalizar as relações com Caracas após a ruptura dos anos Bolsonaro. Lula e seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, tentaram uma abordagem cuidadosa, apoiando o processo que levou às eleições, mas exigindo um pleito transparente.
Reflexo de que os interesses do presidente Lula nem sempre coincidem com os do partido que fundou e lidera, o PT enviou uma delegação para a cerimônia de posse, acrescentou o El País.
Na última posse de Maduro, em 2019, estiveram presentes o presidente de Cuba e o então presidente da Bolívia Evo Morales. As eleições de 2018 também foram amplamente consideradas uma farsa, após o governo proibir a participação dos principais partidos da oposição.
Novas sanções
Após Maduro ser empossado, países que acusam a eleição de 28 de julho de fraudulenta e contestam a vitória do chavista, como os Estados Unidos e o Reino Unido, fizeram uma série de críticas e sanções contra a posse. Washington também elevou de US$ 15 milhões (R$ 91 milhões) para US$ 25 milhões (R$ 152 milhões) a recompensa por informações que possam levar à captura do líder chavista. O mesmo valor foi oferecido por informações sobre o ministro do Interior, Diosdado Cabello, considerado o número 2 do regime.
Maduro e Cabello são acusados pelo governo americano de narcoterrosimo. O Departamento de Estado também anunciou que continua vigente a denúncia contra o mandatário por envolvimento em operações para levar cocaína ao mercado dos Estados Unidos. Ofereceu ainda US$ 15 milhões por informações sobre o ministro da Defesa e chefe do Exército, Vladimir Padrino López, principal figura da cúpula militar.
Os EUA também impuseram sanções a oito altos funcionários venezuelanos, incluindo o presidente da petrolífera PDVSA, o ministro dos Transportes e o chefe da Conviasa, a companhia aérea estatal, informou o Departamento do Tesouro nesta sexta. Foram sancionados porque “permitem a repressão de Nicolás Maduro e a subversão da democracia na Venezuela”, acrescentou. Autoridades americanas qualificaram a posse desta sexta como uma “farsa”.
Fronteira fechada e segurança reforçada
Agora, centenas de agentes de segurança fortemente armados foram mobilizados ao redor do Legislativo e de outros poderes públicos no centro de Caracas. Ruas foram bloqueadas, há mais postos de controle policial e soldados em cada esquina, todos fortemente armados. As lojas estão abertas, mas o movimento é baixo. A Venezuela também anunciou o fechamento de sua fronteira com a Colômbia até a próxima segunda. A ação ocorre diante da expectativa da chegada de González Urrutia, com autoridades do país dizendo ter “informações de uma conspiração internacional para perturbar a paz”.
A agitação antes da posse de Maduro soma-se a uma longa lista de acusações de fraude eleitoral e repressão brutal para silenciar dissidências. As autoridades eleitorais, leais ao partido governista, declararam Maduro como vencedor poucas horas após o fechamento das urnas em 28 de julho, mas, diferentemente de eleições presidenciais anteriores, não forneceram um detalhamento do resultado.
A oposição, por sua vez, reuniu atas de mais de 80% das máquinas de votação eletrônica, publicou-as na internet e afirmou que elas mostram que González obteve o dobro de votos de Maduro. A condenação global pela falta de transparência levou Maduro a solicitar ao tribunal supremo do país — também composto por aliados do Partido Socialista Unido de Venezuela — que auditasse os resultados.
O tribunal reafirmou a vitória de Maduro sem apresentar provas conclusivas e incentivou o conselho eleitoral a publicar a contagem dos votos. No entanto, nem o conselho nem o partido governista apresentaram evidências da vitória de Maduro.
O Carter Center, sediado nos Estados Unidos, que foi convidado por Caracas para participar como observador nas eleições, declarou que as atas publicadas pela oposição eram legítimas. Outros especialistas eleitorais, autorizados pelo governo a observar a votação, afirmaram que os registros publicados pelos opositores exibem todas as características de segurança originais.
A disputa pelos resultados gerou indignação internacional e protestos em todo o país. O governo respondeu com força total: prendeu mais de 2 mil manifestantes e incentivou os venezuelanos a denunciar qualquer pessoa suspeita de ser contra o partido governante. Mais de 20 pessoas morreram durante os tumultos, e muitos manifestantes relataram ter sido torturados durante a detenção. (Com AFP)
Fonte: OGLOBO