Um desabafo do casal Henrique Nascimento, de 29 anos, e Wagner Soares, de 38 anos, viralizou nas redes sociais depois que uma loja se negou a fabricar os convites de casamento deles por serem homossexuais.
Em entrevista ao g1, o casal mostrou as conversas que teve com a empresa. A justificativa do Jurgenfeld Ateliê, localizado no interior de São Paulo, para negar o pedido foi a de que eles não fazem produções “homossexuais”.
“Peço desculpas por isso, mas nós não fazemos convites homossexuais. Seria bacana você procurar uma papelaria que atenda sua necessidade”, disse a loja ao casal, por meio de um aplicativo de mensagens.
A BBC News Brasil procurou a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e advogados especialistas em direito do consumidor para entender até que ponto um comerciante pode negar a execução de um serviço.
A reportagem também procurou a Jurgenfeld, mas não recebeu um posicionamento até a publicação desta reportagem. A BBC também procurou Henrique e Wagner para comentarem o caso, mas também não obteve retorno.
Segundo o Procon, o Artigo 39, inciso 2 do Código de Defesa do Consumidor prevê que o comerciante não pode escolher para quem vende seus produtos
O órgão considera essa distinção como “prática abusiva recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes”.
O Procon indica ainda que as pessoas que sofrerem discriminação como o casal Wagner e Henrique devem registrar um boletim de ocorrência. Ainda é possível entrar com uma ação para ressarcimento dos danos morais causados pela situação.
De acordo com o Procon, o estabelecimento até pode segmentar a área de atuação dele, desde que isso não ocorra de maneira discriminatória.
Mesmo nos casos de segmentação, o comércio deve informar de maneira clara e precisa qual serviço ele presta.
Distinção de clientes
O diretor de relações institucionais do Idec, Igor Britto, afirma que é necessário fazer uma campanha para reforçar às empresas que elas não devem distinguir seus clientes.
“Quem decide abrir uma empresa não decide quem será seu cliente. Quem escolhe a empresa é a pessoa consumidora e não o contrário. Isso não é uma estratégia de marketing, é uma regra prevista em lei”, diz.
Britto explica que, se a empresa tem produto em estoque, ela não pode recusar vendê-lo a nenhuma pessoa que faça oferta para comprá-lo. E cita o caso do casal Wagner e Henrique.
“Não importam as convicções, posições, ideologias ou visões de mundo do empresário: todas as pessoas possuem o direito de ser atendidas em suas demandas de consumo quando a empresa possui capacidade para atendê-las. A homofobia é crime no Brasil e também uma violação gravíssima às normas consumeristas”, diz.
Ele explica que a empresa precisa ser penalizada e que inclusive o Procon pode aplicar desde uma multa até interditar o estabelecimento, caso haja reincidência.
Em quais situações a empresa pode negar um pedido do cliente?
De acordo com o Procon, os comerciantes podem negar atender a um pedido que seja um crime. Por exemplo, uma loja de bolos pode se recusar a personalizar um de seus produtos com o símbolo de uma facção criminosa.
Segundo o órgão de defesa do consumidor, esse tipo de pedido pode ser recusado porque faz apologia a um crime.
Para Daniela Uchôa Zaire, advogada especialista em direito do consumidor, reforça que a distinção com base nos clientes é crime. Trata-se de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
“Um fornecedor de serviços não pode se recusar a vender ou prestar serviços a um consumidor que queira comprar e, isso é independente de cor, religião ou sexualidade. Na esfera criminal, a pena prevista é de 1 a 3 anos de multa e na esfera civil pode haver uma indenização por danos morais”, diz.
De acordo com Vitória Tedeschi, advogada especialista em direito penal e do consumidor, as empresas têm o direito de recusar a realização de serviços que vão contra os princípios éticos, morais ou que possam configurar práticas ilegais, desde que essa recusa não seja discriminatória.
Como exemplo, a reportagem questionou se uma confeitaria poderia se recusar a produzir um bolo com o símbolo de uma facção criminosa.
“Essa recusa não seria considerada discriminatória, pois está relacionada à natureza do conteúdo que pode ser considerado ofensivo ou ilegal. Nesse sentido, a empresa deve se basear na ética, valores ou até mesmo em normas legais para justificar a recusa”, explica.
Fonte: G1