O prefeito Felipe Augusto (PSDB), de São Sebastião, cidade mais castigada pelo aguaceiro despencado sobre o litoral norte do estado de São Paulo entre sábado (19) e domingo (20), defende a tese acima no início dos socorros. Por ela, chegou a bater boca com jornalistas de uma rádio paulista que cobraram o equipamento e desligaram o microfone, enquanto o prefeito empilhava frases aos berros.
Em meio ao impacto, integrantes das brigadas de socorro adotaram, equivocadamente, a ideia de que o som de sirenes, no caso do litoral norte, poderia deixar as pessoas nervosas e aumentar o problema.
Com o passar dos primeiros dias, após o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), revelar sua decisão de colocar sirenes em comunidades instaladas em pontos de risco em todo o estado, o tucano recuou. “Neste momento devemos adotar tudo o que puder ajudar”, contemporizou.
Formado em infraestrutura e conhecedor do sistema implantado na capital fluminense e em outros municípios do estado do Rio de Janeiro, o carioca Tarcísio de Freitas estava mais perto da razão do que o prefeito. Sirenes, do outro lado da via Dutra, estão muito longe de ser meramente sirenes. Representam a ponta final, mais visível e, por motivos óbvios, mais ouvida de um detalhado sistema de prevenção e ação de defesa civil.
Ele inclui etapas, treinamentos, orientações de ação para o momento de deixar os imóveis, definição de rotas de fuga, criação de pontos de apoio seguros, parceria com líderes comunitários, entre outras ferramentas. Um conjunto com início, meio e fim.
Os módulos de sirene começaram a ser implantados na cidade do Rio de Janeiro em 2011. Hoje, há 163 em 105 comunidades do município. Se forem incluídos os pontos instalados em outras cidades fluminenses, entre elas Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na região serrana, e Niterói e São Gonçalo, na metropolitana, o total se aproxima de 250.
No caso do município do Rio, as sirenes são ligadas ao Centro de Operações da Defesa Civil. Emitem, basicamente, três alertas sonoros. O primeiro é disparado horas antes, a partir de previsões, nos locais em que há ameaça ou formação de chuva com média mínima de 50 litros de água por metro quadrado de chão — em pontos de São Sebastião e Bertioga chegaram a desabar 680 litros.
E também nos locais em que nuvens pesadas começam a cobrir o céu. Nos dois casos, o som das sirenes é disparado, seguido por uma gravação de alerta e aviso preventivo sobre a chuva em formação. Se a ameaça de temporal cresce, logo depois vem o segundo toque de sirene, com mensagem orientando moradores a deixar as casas por rotas de fuga predefinidas, à procura de locais seguros e pontos de apoio. As pessoas são aconselhadas a fechar a válvula de gás e a desligar a chave de luz, tudo rapidamente, antes de deixar os imóveis.
Depois que o toró chega e passa, quando não há efeitos que demandem atendimentos especiais, o terceiro toque de sirene é acionado, acompanhado de uma mensagem de aconselhamento à desmobilização e ao retorno para casa.
“As sirenes são parte de um sistema que inclui ação, treinamento, definições e simulações. Além disso, pedimos às pessoas que busquem abrigo em locais seguros. Muitos têm medo de deixar as casas, mas, na hora da tempestade, a vida deve estar em primeiro lugar”, resume o coronel Rodrigo Gonçalves, da Defesa Civil fluminense.
O protocolo e os procedimentos são precedidos por treinamentos dados pela Defesa Civil a líderes comunitários, definição das melhores rotas de fuga e pontos de abrigo e apoio e, em dias de tempo firme, simulação da retirada de moradores após o som das sirenes. Em casos reais, os líderes comunitários recebem mensagens do Centro de Controle, pelo celular, e começam a agir.
Sirenes, evidentemente, não resolvem todo o problema — mas efetivamente ajudam a diminuir o número de vítimas e, consequentemente, a dimensão das tragédias. De acordo com um levantamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o IPT, atualizado até quinta-feira (23), mas ainda sem a inclusão das vítimas do litoral norte, ao menos 4.219 pessoas morreram em deslizamentos no Brasil desde 1988.
O ano com maior número de mortes foi o de 2011, com 969, quase todas nos temporais que tiraram a vida de 428 pessoas em Nova Friburgo e 387 em Teresópolis. O segundo foi o de 2022, com 455, total inflado com a tragédia de 15 de fevereiro daquele ano, que deixou 230 pessoas mortas em Petrópolis, também na região serrana do estado.
Nos três casos, além da força rara e devastadora das chuvas, os programas e sistemas de sirene ainda não estavam aplicados e equipados como agora. Em 20 de março de 2022, um domingo, apenas 33 dias depois da tragédia dos 230, Petrópolis enfrentou novo temporal pesado. Nove pessoas morreram, mas os técnicos da Defesa Civil do estado foram unânimes em afirmar que o número de vítimas dessa segunda chuva seria certamente maior sem o programa de sirenes.
No dia 12 de março de 2016, um sábado, dois homens morreram na comunidade de Chácara do Céu, no bairro de Santa Teresa, centro do Rio de Janeiro. Foram as primeiras mortes por deslizamento na cidade desde a instalação das primeiras sirenes, em 2011.
Para uma cidade com a topografia do Rio de Janeiro, com seus frequentes temporais e milhões de pessoas que vivem em habitações precárias de comunidades espalhadas por morros e pela floresta da Tijuca, a maior em trecho urbano do mundo, ficar cinco anos sem vítimas é sintoma claro da utilidade do sistema.
Há um detalhe adicional. De acordo com a Defesa Civil, os dois homens mortos em 2016 ouviram o som das sirenes, foram alertados com veemência por técnicos e líderes comunitários sobre o risco de permanecer em casa, mas, ainda assim, se recusaram a deixar o local.
Muitos dos 65 mortos nos temporais do litoral norte de São Paulo (ainda havia um desaparecido na noite de segunda-feira, 27) foram encontrados sobre ou próximo a camas e colchões. E também no corredor principal da Vila Sahy, a mais atingida pela chuva, soterrados pela lama.
No primeiro caso, o som dos alarmes, entre a noite e a madrugada, poderia ter levado ao menos parte deles a deixar as casas a tempo. No segundo, a existência de uma rota de fuga, treinada com moradores e exercícios em simulações, talvez reduzisse o problema.
A tragédia teria sido menor — ainda que se salvasse a vida de assustados com sirenes.
Fonte: Com informações da Agência Estado