A jovem Gabrielle Barbosa, de 20 anos, passou por consequências muito mais graves do que as esperadas em uma infecção urinária: ela teve que se submeter a uma amputação de parte dos braços e das pernas.
Residente de Franca, no interior de São Paulo, Gabrielle foi internada em março para tratar a infecção, que levou à falência de seus rins. Em relato feito nas redes sociais, a jovem conta que o quadro se agravou, subindo para o pulmão, e que, em decorrência disso, ela teve duas paradas cardíacas — uma de 10 minutos, e a outra, de 5.
Devido aos medicamentos fortes utilizados nos procedimentos, ela diz que parte de ambos os braços e ambas as pernas necrosaram, o que resultou na amputação dos membros. Hoje, Gabrielle tem uma vaquinha virtual, com o intuito de arrecadar o valor para a compra das próteses das áreas amputadas.
A infectologista Lina Paola, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que tanto a infecção quanto efeitos no organismo relacionados ao uso de medicamentos para a reanimação após as paradas cardíacas poderiam, sim, causar a necrose e, consequentemente, a amputação dos membros.
“Qualquer infecção tem o potencial de gerar sepse [infecção generalizada], com a presença da bactéria na corrente sanguínea, e isso desencadeia uma resposta inflamatória intensa. E, dependendo da quantidade de órgãos que são atingidos com disfunção, pode ser classificada uma septicemia grave. Essa resposta para tentar defender o corpo de uma infecção pode prejudicar os órgãos e até nos custar a vida”, afirma Lina. Isso justificaria o fato de a infecção urinária ter gerado a falência renal de Gabrielle.
Lina ressalta que, dada a falência dos órgãos, há uma diminuição da pressão sanguínea e do volume de sangue, prejudicando a função do coração de bombeá-lo, assim como o pulmão não consegue oxigenar a corrente sanguínea. Dessa maneira, sem oxigenação suficiente e pouco volume para ser bombeado, acontece a parada cardíaca.
Necrose por infecção
Infecções podem gerar a necrose de membros. Entre as bactérias que podem ter esse efeito, a infectologista menciona a Neisseria meningitidis, causadora da meningite, que, por si só, causa necrose das extremidades.
Isso acontece porque essa infecção provoca uma septicemia tão grave que o corpo, para conseguir combater o agente infeccioso, sacrifica os membros periféricos. Outras bactérias, como Streptococcus pneumoniae, Leptospira e Staphylococcus aureus, teriam o mesmo efeito.
Entretanto, o urologista Alex Meller, membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, acrescenta que bactérias que provocam infecções urinárias dificilmente causam quadros sépticos, que podem estar mais relacionados a outros problemas infecciosos, como a erisipela.
Necrose em razão de resposta a medicações
A infectologista afirma que, numa parada cardíaca, costuma-se utilizar a adrenalina, que aumenta a frequência cardíaca e a pressão sanguínea. No entanto, Meller diz que são usadas também medicações vasoconstritoras, que costumam fechar os vasos sanguíneos menores das extremidades, de modo a manter a pressão.
Com essa vasoconstrição, o organismo prioriza a distribuição de sangue para os órgãos centrais vitais (coração, pulmão, rins e fígado) para o recebimento de sangue, em detrimento de outros órgãos, como estômago e intestino, e das extremidades.
Desse modo, por essa resposta do corpo à substância, priorizando a função desses órgãos, acontece o risco de necrose pela falta de sangue oxigenado nos vasos periféricos.
Lina conclui que necroses por infecções bacterianas são comuns em ambientes hospitalares, nos cenários de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e em pronto-socorro. “Todos os dias, chegam muitos pacientes graves, com os dedos já roxos e baixa circulação, e por vezes, já no exame físico, vemos que o paciente tem uma sepse grave, por exemplo.”
Meller enfatiza que a necrose relacionada a medicações é uma complicação rara gerada pelo tratamento da septicemia e parada cardíaca e, muitas vezes, ocorre pela falta de recursos em locais que precisam utilizar apenas medicações no lugar de outras técnicas — o que pode ocasionar uma administração exagerada dos remédios vasoconstritores.
Fonte: r7