A mulher que acompanhava o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, morto com um tiro à queima-roupa por um policial na quarta-feira (20) disse, em entrevista à TV Globo, que a ação da PM demonstrou “falta de preparo” dos agentes: “Foi totalmente desqualificado”. Ela afirmou ter medo de sofrer retaliações, por isso não será identificada nesta reportagem.
A morte foi registrada por uma câmera de segurança do estabelecimento. Os PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, envolvidos na ocorrência, foram afastados de suas funções até o final das investigações. O policial que fez o disparo foi indiciado por homicídio. As imagens das câmeras corporais usadas pelos PMs serão analisadas.
A mulher mantinha um relacionamento com Marco Aurélio havia dois anos: “Ele fazia parte da minha vida. Todo dia ele estava comigo”. Ela contou que ficou escondida em um cômodo do hotel após ter discutido com o estudante e que “cada um ia para sua casa e amanhã a gente ia se ver de novo”.
Mas o desfecho foi bem diferente. Marco Aurélio havia saído do hotel e retornou rápido. “Foi questão de um minuto para ele voltar com os policiais em cima dele. Encurralam ele ali. Eu não vi 100%, mas eu ouvi 100% de tudo”, relatou.
E complementou: “Eles têm instrumentos de choque, eles têm algema, eles têm muitos meios sabe? Então, para mim, ele [policial que atirou] foi totalmente desqualificado”.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em sua primeira manifestação pública após ser cobrado pela família do estudante de medicina morto por um policial militar, disse que “abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos”.
O crime
Em depoimento à Polícia Civil, a jovem contou que conheceu o estudante há dois anos, que desenvolveram uma “relação de afinidade” e que Marco devia cerca de R$ 20 mil a ela.
Na quarta, Marco Aurélio alugou, por cerca de uma hora, um quarto no Hotel Flor da Vila Mariana, localizado na Rua Cubatão. Para cobrar a dívida, a jovem conta que aceitou ir ao local, onde recebeu R$ 250.
Conforme o depoimento, eles começaram a discutir e, em determinado momento, o estudante de medicina teria a agredido na cabeça. Em seguida, o recepcionista do hotel ligou para perguntar o que havia acontecido.
Segundo a mulher, Marco Aurélio atendeu e disse que estava tudo bem, mas ela respondeu que não estava nada bem e queria sair dali. O recepcionista, então, ligou para a Polícia Militar, e a jovem fugiu do quarto.
Ela se escondeu em outro cômodo do hotel e conseguiu ouvir parte da interação entre o estudante de medicina e os policiais militares — que questionaram o motivo pelo qual ele bateu na viatura. Posteriormente, ela ainda ouviu o barulho de um tiro.
Após ser baleado, a mulher acompanhou Marco Aurélio até o Hospital Ipiranga. Ele teve duas paradas cardiorrespiratórias e passou por uma cirurgia. Contudo, ele não resistiu aos ferimentos e morreu por volta das 6h40.
Câmera de segurança
Uma câmera de segurança do hotel registrou o momento que o estudante é assassinado às 2h49 (veja acima). Um dos agentes tentou puxar Marco Aurélio pelo braço, enquanto o outro o chutou. Em seguida, o estudante segurou a perna do policial, que caiu no chão.
Durante a confusão, o PM Guilherme atirou na altura do peito do estudante. No boletim de ocorrência, os policiais alegaram que o jovem teria tentado pegar a arma de Bruno.
O caso foi registrado no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) como morte decorrente de intervenção policial e resistência.
Claudio Silva, ouvidor das Polícias de São Paulo, afirmou que a ação é “mais um reflexo da lógica que está instalada no estado de São Paulo, de polícia que mata. Polícia que não respeita a vida”.
Quem era o estudante?
O jovem estava no quinto ano do curso de medicina na Universidade Anhembi Morumbi. Ele era o filho caçula de um casal de médicos peruanos naturalizados brasileiros que se mudou para cá há mais de duas décadas. Segundo a mãe, a intensivista Silvia Mônica, o rapaz nasceu prematuramente e, da mesma forma, concluiu o ensino médio com apenas 15 anos.
A família conta que ele chegou a ser aprovado no vestibular para cursar direito, mas escolheu seguir o mesmo caminho dos pais e do irmão Frank, na medicina.
Marco era atleta do time de futebol do curso de medicina. Nas redes sociais, a faculdade publicou mensagem de condolências.
“Neste momento de imensa dor, nos solidarizamos com seus familiares, companheiros de time e colegas, que perderam não apenas um companheiro de jornada, mas também um amigo. Que sua memória seja sempre lembrada com carinho e que sua trajetória inspire todos nós.”
O que diz a SSP
“As polícias Civil e Militar apuram as circunstâncias da morte de um homem de 22 anos, ocorrida na madrugada desta quarta-feira (20), na Vila Mariana, na capital paulista. Os policiais envolvidos na ocorrência prestaram depoimento, foram indiciados em inquérito e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações.
Na ocasião, o jovem golpeou a viatura policial e tentou fugir. Ao ser abordado, ele investiu contra os policiais, sendo ferido. O rapaz foi prontamente socorrido ao hospital Ipiranga, mas não resistiu ao ferimento. A arma do policial responsável pelo disparo foi apreendida e encaminhada à perícia. As imagens registradas pelas câmeras corporais (COPs) serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).”
Fonte: G1